domingo, 23 de setembro de 2018

Personalismo

      Será que existe um interesse legítimo para se tornar presidente da república? Qual é o real motivo que leva algumas pessoas a postularem tal cargo, que, com certeza, lhes trará muitos dissabores e aborrecimentos? Seria altruísmo? Seria vontade de ajudar ao próximo? Seria mostrar que conhece o caminho? Que sabe o que é melhor para sociedade? Refastelar-se com o poder ou desviar para si, ou apaniguados, ilicitamente, o dinheiro do contribuinte não cabem em minha cabeça.

      A marca dessa eleição é o personalismo. Quem assiste a uma entrevista do Gal Mourão ou do economista Paulo Guedes logo percebe que eles têm mais conteúdo do que o deputado Jair Bolsonaro, mas eles não têm votos. Governar é uma coisa, eleger-se, é outra, só que a eleição vem antes do governo, assim, a identidade do Capitão se materializa em votos, 20% garantidos, que não mudam de lado de jeito nenhum, e mais uns 10% que representam o medo da continuidade do período da ladroagem clara e farta. Vale a personalidade.

      Multiplicando-se por menos um (-1) assistimos, no lado oposto, a um presidiário, condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além de estar indiciado em vários outros processos que, pelo visto, pode lhe render outras condenações. Apesar do envolvimento de seus parceiros em diversos esquemas de desvio de dinheiro possui o efeito “Tefal” no qual nada gruda, e, por si só, tem cerca de 30% dos votos, mas como, por motivos óbvios, não pode se candidatar, transferiu para quem aceitou ser sua sombra outros 20% das intenções de voto. Aqui temos novamente a questão de personalidade. A personalidade forte do Lula que faz e desfaz de todos que o cercam, concordem ou não, e a do Haddad, pois o próprio fato de renunciar à sua personalidade para se encarnar em Lula, mostra sua própria, fraca! E aqui vale um parênteses.

      A primeira vez em que vi a expressão foi logo após o ataque terrorista ao jornal satírico francês Charlie Hebdo em janeiro de 2015, imediatamente começou a circular: Somos Todos Charlie Hebdo. Não concordei, sou um bos… mas sou eu. Posso ter horror à violência, me condescender com a dor das pessoas, das famílias, dos fãs, mas continuo sendo eu. Isso aconteceu outras vezes, recentemente foi com a vereadora carioca Mariele Franco. Quiseram emplacar o Somos Todos Mariele Franco. Não sou não. Meus sentimentos à família, meu repúdio ao brutal assassinato que ainda necessita de respostas, mas eu continuo aqui, na minha vidinha miserável. Se não assumo ser outra pessoa mesmo em momentos de comoção será que eu assumiria a personalidade de um presidiário? Qual é o valor da personalidade de quem renuncia à própria?

      Disputam ainda o primeiro turno um bloco intermediário Ciro Gomes (o mais profissional, mas destemperado como o Bolsonaro ), Geraldo Alckmin ( esse sem tempo e que está enterrando o PSDB) e a Marina Silva (que aparece a cada 4 anos), e na lanterna, está a turma dos 3% ou menos: Amoedo, Meirelles, Boulos, Daciolo, Dias e outros.

      Ao que tudo indica, se houver segundo turno nas próximas eleições presidenciais estarão os dois, Bolsonaro e Haddad (ou três, pois Haddad é Lula e Lula é Haddad), e por serem pólos opostos, não há uma terceira opção viável, e o mais lógico seria que esse balaio de gatos se juntasse para constituir uma nova via, mas não, o  personalismo não deixa. Todos se entendem ser melhores que os outros para que se abra mão. O Ciro, que faz o tipo coronel, que manda prender e manda soltar, vai naufragar pela terceira vez. Ele poderia ter sido viável se tivesse costurado uma aliança com o PT, mas foi incompetente para isso, ganharia de lavada. O Alckmin irá se desidratar pela segunda vez, e por causa da sua experiência, ou falta dela, como governador de São Paulo, matou a candidatura do João Dória, que, esse sim, poderia ser competitivo na eleição nacional. A Marina, bem, a Marina é a Marina, que até se arriscou a tomar algum partido agora que o fim está próximo, admitiu que houve roubo ao erário praticado pela cúpula do PT, e fez isso sozinha, nem precisou de um plebiscito nem de um amplo debate com a sociedade, não é de se admirar? Dos demais, o único que poderia ter alguma chance é o Amoedo, mas sozinho, sem tempo de TV, sem capilaridade, pode receber o troféu revelação e o de consolação.

      Por um movimento natural as candidaturas mais à direita são Bolsonaro, Amoedo e Álvaro Dias, mais à esquerda estão Haddad e Boulos e no centro, porém à esquerda desse, estão Ciro, Alckmin e Meirelles e os outros, bem, esses não têm peso. Mantendo-se as candidaturas viáveis de Bolsonaro e Haddad, e se todos os outros desistissem em favor do Amoedo, os próximos 15 dias seriam interessantes, aliás, muito interessantes.

      E se tratando de interessante, a dinâmica das eleições mudou de rumo e esse caminho é sem volta. Até 2014 havia somente a esquerda e o centro-esquerda, sendo que só a primeira era composta por militantes ativos, agora surgiu a direita. Alguns tratam até de extrema-direita, mas isso é besteira, mesmo os mais conservadores são light quando comparados às extremas européias e americana, mas se trata de um grupo ativo, que está se organizando e, ao contrario da maioria de esquerda, são estudiosos, têm conteúdo e fazem barulho.

      Além disso, há as redes sociais. O embate já seria interessante pois somente a coligação do Alckmin possui quase a metade do tempo total de TV (5’32”), o segundo lugar é do PT (2’23”), o Meirelles tem 1’55”, o Álvaro dias tem 40’, o Ciro tem 38” e os demais têm pouquíssimo tempo. As inserções avulsas, as chamadas pílulas, que são exibidas como comerciais de 30” durante a programação é dividida na mesma proporção. Enquanto o Alckmin tem 434 inserções o Ciro tem 38 e o Bolspnaro, por sua vez tem 8” diários e 11 inserções, e mesmo com a tamanha desproporção, e sendo vítima do ataque dos demais, lidera, e com folga em todas as pesquisas de intenção de votos, e mais, depois que foi esfaqueado nem campanha está fazendo e seus eleitores continuam se multiplicando.

      Os marqueteiros do PT foram tenazes, ganharam 4 eleições seguidas, mas dividiram o país. Ficou o clima do nós contra eles, dos pobres contra os ricos, dos pretos contra os brancos, dos gordos contra os magros, dos heteros contra os LGBT (mais um abecdário) e isso não fez bem ao país. Por isso, não se iludam, o próximo governo não terá vida fácil. Nenhum, qualquer que seja, será excelente. Se fizer um arroz com feijão, mesmo com um temperozinho mais ou menos, poderá ser considerado vitorioso, mas isso é assunto para depois, pois ainda tem as eleições.

      Mais do que programa de governo, mais do que proposta de solução, o que está fazendo a diferença nessa eleição é a militância, as redes sociais e, acima delas, a personalidade do candidato. E quanto a nós, aqui sim: Somos Todos Eleitores.