quarta-feira, 15 de maio de 2019

Para Não Funcionar.


      Não é sobre pessoas, é sobre processo, até porque todas as pessoas que me atenderam o fizeram muito bem. Nenhuma estava com a cara fechada, sempre foram simpáticas e atenciosas. Claro que vi algumas situações embaraçosas que envolvia terceiros, mas esses ou eram folgados ou pouco instruídos, mas não ocorreu comigo.

      Sabe qual governo irá resolver o problema da saúde no Brasil? Nenhum!

      Sabe quando será resolvido o problema da saúde no Brasil? Nunca!

      Sabe o porquê? Porque o sistema foi desenhado para:

      1 – Tratar da doença, não do paciente.

      2 – Atender aos médicos, às clínicas, aos laboratórios, aos planos de saúde, aos hospitais, não necessariamente nessa ordem, mas o paciente vem em último lugar.

      Com o foco no lugar errado, não há processo que dê jeito.

      Se você não passou pela situação a seguir descrita, ou você tem muito dinheiro e resolve fácil seus problemas, ou não tem nenhum e vai morrer antes de ser atendido. ( http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/01/familia-recebe-retorno-de-consulta-11-anos-apos-morte-da-paciente-no-rs.html )

      Toca o seu telefone e a mocinha, toda educada, no outro lado da linha diz que quer confirmar a sua consulta com o doutor fulano amanhã às 9h. Pede para você chegar com meia hora de antecedência e levar um documento com foto e a carteirinha do convênio médico. Você chega no horário, pega uma senha, conferem a sua ficha, você assina a guia, é direcionado para a sala de espera, fica sabendo que o médico ainda não chegou e que há 5 pacientes na sua frente. Como você é, literalmente, paciente, você espera. Esse é o desenho básico. Todos os envolvidos, exceto você, estão trabalhando e irão ganhar por isso. Você está sofrendo, pagando e gastando o seu tempo, eles não, pois o tempo deles tem prioridade sobre o seu.

      No dia 11 de fevereiro à noite senti fortes dores na região dos rins, procurei o atendimento no pronto socorro e no dia 17 de maio farei uma segunda cirurgia para a retirada de um cateter que foi deixado para auxiliar na cicatrização de umas feridas causadas por uma pedra que ficou enroscada entre o rim direito e a bexiga. A pedra foi fragmentada com laser em um procedimento sem cortes, realizado no dia 07/05. Ou seja, um processo que demorou 96 dias e poderia ter sido resolvido em 12 dias. Bastava que eu ficasse internado no dia 11, fizesse todos os exames e consultas no dia 12, fosse operado no dia 13 e voltasse para retirar o cateter no dia 23, já que é necessário o espaço de uns 10 dias entre a cirurgia e a retirada do cateter.

      Só leia o próximo parágrafo se tiver tempo, pois ele marca todas as providências que tomei a partir do evento do dia 11 em ordem cronológica, e é um calvário!
      No pronto socorro fui atendido por um médico que receitou um analgésico a ser aplicado na veia, solicitou um exame de sangue e um raio X do tórax. Ao analisar os exames não se chegou a um diagnóstico. Voltei para casa ainda na madrugada, e na manhã seguinte marquei uma consulta com um urologista para a data mais próxima. Fui à consulta, foi solicitado um novo exame de sangue, exame de urina e um ultrassom. Saí do consultório, passei no laboratório peguei o coletor de urina, passei na central do convênio e pedi a aprovação do exame (ultrassom), fui até a clínica e agendei o exame para a data mais próxima. Na manhã seguinte fui ao laboratório, levei a urina e o sangue foi coletado. Sabendo quando eu teria os resultados dos exames marquei consulta de retorno. Na data agendada fui à clínica e foi feito o ultrassom e peguei o resultado na hora. Na data correta voltei ao médico. Novamente, água! Como se dizia nos jogos de batalha naval, sem diagnóstico. Agora vai precisar fazer uma tomografia. Fui à central de aprovação, fui à clínica e agendei o exame. Sabendo da data marquei uma nova consulta. Na data correta fui à clínica e foi feita a tomografia. Na data correta busquei o resultado e depois fui à consulta. Bingo! Estava lá uma pedra de 6mm enroscada, era caso para a cirurgia. O médico emitiu a guia. Fui à central do convênio para solicitar a aprovação. Era uma segunda-feira, deixei os documentos e, segundo o atendente, até quinta-feira o processo estaria incluído no sistema e a partir de então seriam necessários até 21 dias para que o processo fosse aprovado, mas costuma ser aprovado antes. Caso ocorresse a aprovação ou se houvesse algum problema eles entrariam em contato. Dezoito dias depois, ainda dentro do prazo, passei por lá para saber do andamento. O processo estava parado desde o dia 8. Eles inseriam a solicitação no sistema, o convênio aprovava a cirurgia mas não aprovava o material, eles cancelavam o pedido, inseriam novamente a solicitação e o processo se repetia. Até que eles pararam de fazer e ficou por isso mesmo. Pediram para eu ligar no convênio. Vocês conhecem bem como são esses atendimentos em call center. Liguei, e, ao final do estresse, a atendente me disse que sem o pedido no sistema ela não tinha como acessá-lo e que os cancelados estavam...cancelados, não havia nada a fazer. Voltei à central, e ficou acertado que seria feita uma nova inserção na segunda-feira, pois havia um feriado prolongado no meio do caminho. Na segunda-feira, fiz contato com a central por telefone, e voltei a ligar no convênio, a atendente, dessa vez, analisou e me disse que a equipe do hospital deveria ligar no convênio. Voltei a ligar na central do hospital, passeia a instrução. Eles fizeram o que foi pedido e me retornaram a ligação. Foi aprovado. Agendei nova consulta com o médico para a data mais próxima. Fui à consulta em uma terça-feira e a cirurgia foi marcada para a terça-feira seguinte, mas na quarta-feira havia um feriado e começou a correria. Fui à central de agendamento, marquei consulta com o cardiologista para a sexta-feira e anestesista para a segunda. Na central de aprovação peguei autorização para fazer um raio X do tórax, fui à clínica e o fiz na hora, mas o laudo só poderia ser pego na segunda-feira à tarde. Na quinta, pela manhã, fui ao laboratório para a coleta de sangue para novo exame, pedi urgência para o resultado e eu poderia pegá-lo na segunda, antes da consulta com o anestesista. Na sexta-feira fiz um eletrocardiograma e fui atendido pelo cardiologista, peguei um documento dizendo que o risco, do ponto de vista cardiológico, para a cirurgia era baixo. Na segunda-feira peguei o resultado do exame de sangue e fui à consulta com o anestesista, tudo bem, peguei novo documento. No período da tarde busquei o resultado do raio X. Na terça pela manhã me internei e fui operado. Passei a noite no hospital e na manhã seguinte foi me foi dada a alta, voltei para casa e marquei nova consulta com o urologista para a semana seguinte. Fui à consulta e foi emitida a guia para a internação para a retirada do cateter. Fui à central de aprovação e a retirada foi aprovada. Voltei à central de agendamento e consegui agendar nova consulta para o dia seguinte. Voltei ao urologista e foi marcado o novo procedimento para o dia 17/05/2019. Voltei à central de agendamento para que a data ficasse registrada.
Acesso em minha mão esquerda durante a cirurgia. A depilação é gratuita.

      Se, ao ter dado entrada no pronto socorro, eu já ficasse internado e saísse somente após ter sido realizada a primeira cirurgia, o custo de todo o processo teria sido muito menor, além do que, com a racionalização do tempo, sobraria espaço para atender a mais pessoas com a mesma estrutura. Casos semelhantes ocorrem com outras pessoas e esse desperdício de tempo é improdutivo, é dinheiro jogado fora. Nenhum governo vai resolver essa situação, pois quem deveria cuidar disso, na maioria das vezes, vem do meio médico e, para eles, isso é normal, é como a Gabriela, nasci assim, cresci assim, e vai ser sempre assim. É preciso mudar a visão. Um administrador competente irá atender ao paciente e o resto virá a reboque.

      E o pior, durante a noite em que passei no hospital, perdi o sono por volta das 2h da madrugada e fiquei pensando em tudo isso e, ao final, me senti envergonhado. Sim, envergonhado por não me sentir merecedor de estar em um quarto só para mim, sendo atendido por profissionais atenciosos e competentes, e sabendo que há pessoas sendo atendidas em corredores, isso é, quando conseguem ser atendidas. E eu, ao contrário, se quisesse, poderia estar sendo assistido por um acompanhante para o qual até lanche, jantar e café da manhã foram oferecidos. Esse sentimento doeu mais do que a cirurgia.

      Mas como em tudo a gente precisa conquistar algo positivo, entre as idas, vindas e espera, li um livro e meio, cerca de 800 páginas, daquelas densas, pois ainda sou daqueles que preferem um bom livro a besteiras da internet.
      Na sexta-feira será a segunda intervenção. Espero que resolva.