Não é sobre pessoas, é sobre
processo, até porque todas as pessoas que me atenderam o fizeram muito bem.
Nenhuma estava com a cara fechada, sempre foram simpáticas e atenciosas. Claro
que vi algumas situações embaraçosas que envolvia terceiros, mas esses ou eram
folgados ou pouco instruídos, mas não ocorreu comigo.
Sabe qual governo irá resolver o
problema da saúde no Brasil? Nenhum!
Sabe quando será resolvido o
problema da saúde no Brasil? Nunca!
Sabe o porquê? Porque o sistema foi desenhado
para:
1 – Tratar da doença, não do
paciente.
2 – Atender aos médicos, às
clínicas, aos laboratórios, aos planos de saúde, aos hospitais, não
necessariamente nessa ordem, mas o paciente vem em último lugar.
Com o foco no lugar errado, não
há processo que dê jeito.
Se você não passou pela situação
a seguir descrita, ou você tem muito dinheiro e resolve fácil seus problemas,
ou não tem nenhum e vai morrer antes de ser atendido. ( http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/01/familia-recebe-retorno-de-consulta-11-anos-apos-morte-da-paciente-no-rs.html
)
Toca o seu telefone e a mocinha,
toda educada, no outro lado da linha diz que quer confirmar a sua consulta com
o doutor fulano amanhã às 9h. Pede para você chegar com meia hora de
antecedência e levar um documento com foto e a carteirinha do convênio médico.
Você chega no horário, pega uma senha, conferem a sua ficha, você assina a
guia, é direcionado para a sala de espera, fica sabendo que o médico ainda não
chegou e que há 5 pacientes na sua frente. Como você é, literalmente, paciente,
você espera. Esse é o desenho básico. Todos os envolvidos, exceto você, estão
trabalhando e irão ganhar por isso. Você está sofrendo, pagando e gastando o seu
tempo, eles não, pois o tempo deles tem prioridade sobre o seu.
No dia 11 de fevereiro à noite
senti fortes dores na região dos rins, procurei o atendimento no pronto socorro
e no dia 17 de maio farei uma segunda cirurgia para a retirada de um cateter
que foi deixado para auxiliar na cicatrização de umas feridas causadas por uma
pedra que ficou enroscada entre o rim direito e a bexiga. A pedra foi
fragmentada com laser em um procedimento sem cortes, realizado no dia 07/05. Ou
seja, um processo que demorou 96 dias e poderia ter sido resolvido em 12 dias.
Bastava que eu ficasse internado no dia 11, fizesse todos os exames e consultas
no dia 12, fosse operado no dia 13 e voltasse para retirar o cateter no dia 23,
já que é necessário o espaço de uns 10 dias entre a cirurgia e a retirada do
cateter.
Só leia o próximo parágrafo se tiver
tempo, pois ele marca todas as providências que tomei a partir do evento do dia
11 em ordem cronológica, e é um calvário!
No pronto socorro fui atendido por um
médico que receitou um analgésico a ser aplicado na veia, solicitou um exame de
sangue e um raio X do tórax. Ao analisar os exames não se chegou a um
diagnóstico. Voltei para casa ainda na madrugada, e na manhã seguinte marquei uma
consulta com um urologista para a data mais próxima. Fui à consulta, foi
solicitado um novo exame de sangue, exame de urina e um ultrassom. Saí do
consultório, passei no laboratório peguei o coletor de urina, passei na central
do convênio e pedi a aprovação do exame (ultrassom), fui até a clínica e
agendei o exame para a data mais próxima. Na manhã seguinte fui ao laboratório,
levei a urina e o sangue foi coletado. Sabendo quando eu teria os resultados
dos exames marquei consulta de retorno. Na data agendada fui à clínica e foi
feito o ultrassom e peguei o resultado na hora. Na data correta voltei ao
médico. Novamente, água! Como se dizia nos jogos de batalha naval, sem
diagnóstico. Agora vai precisar fazer uma tomografia. Fui à central de aprovação,
fui à clínica e agendei o exame. Sabendo da data marquei uma nova consulta. Na
data correta fui à clínica e foi feita a tomografia. Na data correta busquei o
resultado e depois fui à consulta. Bingo! Estava lá uma pedra de 6mm enroscada,
era caso para a cirurgia. O médico emitiu a guia. Fui à central do convênio
para solicitar a aprovação. Era uma segunda-feira, deixei os documentos e,
segundo o atendente, até quinta-feira o processo estaria incluído no sistema e a
partir de então seriam necessários até 21 dias para que o processo fosse
aprovado, mas costuma ser aprovado antes. Caso ocorresse a aprovação ou se houvesse
algum problema eles entrariam em contato. Dezoito dias depois, ainda dentro do
prazo, passei por lá para saber do andamento. O processo estava parado desde o
dia 8. Eles inseriam a solicitação no sistema, o convênio aprovava a cirurgia
mas não aprovava o material, eles cancelavam o pedido, inseriam novamente a
solicitação e o processo se repetia. Até que eles pararam de fazer e ficou por
isso mesmo. Pediram para eu ligar no convênio. Vocês conhecem bem como são
esses atendimentos em call center. Liguei, e, ao final do estresse, a atendente
me disse que sem o pedido no sistema ela não tinha como acessá-lo e que os
cancelados estavam...cancelados, não havia nada a fazer. Voltei à central, e
ficou acertado que seria feita uma nova inserção na segunda-feira, pois havia um
feriado prolongado no meio do caminho. Na segunda-feira, fiz contato com a
central por telefone, e voltei a ligar no convênio, a atendente, dessa vez,
analisou e me disse que a equipe do hospital deveria ligar no convênio. Voltei
a ligar na central do hospital, passeia a instrução. Eles fizeram o que foi
pedido e me retornaram a ligação. Foi aprovado. Agendei nova consulta com o
médico para a data mais próxima. Fui à consulta em uma terça-feira e a cirurgia
foi marcada para a terça-feira seguinte, mas na quarta-feira havia um feriado e
começou a correria. Fui à central de agendamento, marquei consulta com o
cardiologista para a sexta-feira e anestesista para a segunda. Na central de
aprovação peguei autorização para fazer um raio X do tórax, fui à clínica e o
fiz na hora, mas o laudo só poderia ser pego na segunda-feira à tarde. Na
quinta, pela manhã, fui ao laboratório para a coleta de sangue para novo exame,
pedi urgência para o resultado e eu poderia pegá-lo na segunda, antes da
consulta com o anestesista. Na sexta-feira fiz um eletrocardiograma e fui atendido
pelo cardiologista, peguei um documento dizendo que o risco, do ponto de vista
cardiológico, para a cirurgia era baixo. Na segunda-feira peguei o resultado do
exame de sangue e fui à consulta com o anestesista, tudo bem, peguei novo
documento. No período da tarde busquei o resultado do raio X. Na terça pela manhã
me internei e fui operado. Passei a noite no hospital e na manhã seguinte foi
me foi dada a alta, voltei para casa e marquei nova consulta com o urologista
para a semana seguinte. Fui à consulta e foi emitida a guia para a internação
para a retirada do cateter. Fui à central de aprovação e a retirada foi
aprovada. Voltei à central de agendamento e consegui agendar nova consulta para
o dia seguinte. Voltei ao urologista e foi marcado o novo procedimento para o
dia 17/05/2019. Voltei à central de agendamento para que a data ficasse
registrada.
Acesso em minha mão esquerda durante a cirurgia. A depilação é gratuita.
Se, ao ter dado entrada no pronto
socorro, eu já ficasse internado e saísse somente após ter sido realizada a
primeira cirurgia, o custo de todo o processo teria sido muito menor, além do
que, com a racionalização do tempo, sobraria espaço para atender a mais pessoas
com a mesma estrutura. Casos semelhantes ocorrem com outras pessoas e esse desperdício
de tempo é improdutivo, é dinheiro jogado fora. Nenhum governo vai resolver essa
situação, pois quem deveria cuidar disso, na maioria das vezes, vem do meio
médico e, para eles, isso é normal, é como a Gabriela, nasci assim, cresci assim, e
vai ser sempre assim. É preciso mudar a visão. Um administrador competente irá
atender ao paciente e o resto virá a reboque.
E o pior, durante a noite em que
passei no hospital, perdi o sono por volta das 2h da madrugada e fiquei
pensando em tudo isso e, ao final, me senti envergonhado. Sim, envergonhado por
não me sentir merecedor de estar em um quarto só para mim, sendo atendido por profissionais
atenciosos e competentes, e sabendo que há pessoas sendo atendidas em
corredores, isso é, quando conseguem ser atendidas. E eu, ao contrário, se
quisesse, poderia estar sendo assistido por um acompanhante para o qual até lanche,
jantar e café da manhã foram oferecidos. Esse sentimento doeu mais do que a
cirurgia.
Mas como em tudo a gente precisa conquistar
algo positivo, entre as idas, vindas e espera, li um livro e meio, cerca de 800
páginas, daquelas densas, pois ainda sou daqueles que preferem um bom livro a besteiras da
internet.
Na sexta-feira será a segunda intervenção. Espero que resolva.