Tenho um sentimento muito forte de pertencimento. Eu não possuo, eu pertenço. Pertenço às coisas, pertenço aos lugares, e, principalmente, pertenço às pessoas.
Meu primeiro e significativo ponto de inflexão foi fácil. Saí, ainda adolescente, rebelde e arrogante da minha cidade natal, com seus 45 mil habitantes para estagiar em uma grande empresa em São Paulo. Deixava a família, era um jovem assustado mas destemido e desejoso de mudar uma estória de privações. Após alguns meses e já iniciando uma carreira de muito trabalho, liderança, viagens e hotéis me fixei em Campinas, uma cidade de 600 mil habitantes e onde já moravam o meu irmão, um técnico em ascensão profissional e a minha, então namorada e até hoje, esposa. Foi uma felicidade só.
Quatro anos depois, com uma carreira profissional sendo encaminhada, casado e com uma filha, fizemos a mudança para Ribeirão Preto. A transição levou cerca de 3 meses, e como se repetiria, fui primeiro para trabalhar, mas retornando para casa aos finais de semana até que a mudança definitiva se efetivasse. Com grande senso de responsabilidade e profissionalmente progredindo senti a primeira perda. Fui de uma cidade muito maior para uma pior que tinha a metade da população de Campinas, além de ser suja, quente, empoeirada e fedida. Ribeirão fedia a plantação de cana e sofria com as populações migratórias de andorinhas. A praça central era imunda e cheia de fezes das aves que faziam uma bela revoada, mas emporcalhavam a cidade e a tornava mais fedida. Mesmo sem revelar a insegurança, fui entristecido. Deixava para trás um forte ambiente no qual me sentia totalmente inserido.
Mas também deu certo. Depois de 8 anos, já com um filho, casa própria e exercendo cargo de liderança nos mudamos para Varginha. Novamente saia de uma cidade com cerca de 400 mil habitantes, rica, crescendo e da qual eu já conhecia os lugares bonitos para outra que contava os seus 80 mil habitantes. Longe, feia e com péssimas estradas. Comecei a trabalhar e a frequentar a cidade em fevereiro de 1988 e a mudança se concretizou em agosto. Me recordo como se fosse hoje, quando a transportadora carregou a nossa mudança, eu, sozinho, dei uma volta no anel viário de Ribeirão e chorei. Chorei de saudade daquilo que eu deixaria para trás.
Também deu certo. Em Varginha por apenas dois anos e meio a família não cresceu, não comprei casa, mas avancei profissionalmente, pois já liderava um departamento e não apenas uma área. Novamente nos mudamos. Para exercer a mesma função porém em uma cidade maior, São Carlos, que então estava com 170 mil habitantes, o meu sentimento era de ganho e praticamente não teve transição. Em dezembro de 1990 tomamos a decisão, em 2 de janeiro comecei a trabalhar e no dia 23 do próprio mês já estávamos na nova casa. Porém a mesma situação se repetiu. No último dia em Varginha, novamente sozinho, ao dar uma volta no entorno da cidade, chorei. Chorei pelo que construí e pelos amigos que estava deixando.
Foram 23 anos em São Carlos, onde meus filhos estudaram e cresceram, a Nega e eu também estudamos, crescemos e fincamos raízes. Profissionalmente estabilizado e muito satisfeito iniciei nova negociação que durou cerca de 5 meses, e com outros 5 meses de transição me encontro em nova mudança. A partir de amanhã meu endereço passa a ser na Bahia. Estou trabalhando em Salvador e iremos residir na vizinha Lauro de Freitas. Salvador é imensa, com mais de 3 milhões de habitantes e com a pobreza e a riqueza convivendo lado a lado. Lauro de Freitas, muito menor, parte da região metropolitana e caminho da chamada Linha Verde que liga a capital ao litoral norte é movimentada e feia, mas o oceano conserta tudo.
Além do que construí em São Carlos não estarei deixando apenas o maior período que vivi em uma só cidade, mas também a minha filha, que aqui continuará residindo para seguir a sua própria vida. Tive muitos motivos para fazer essa escolha, e como tudo que ocorreu até agora, acredito que, assim como fui muito feliz aqui, também serei lá. Trabalho e desafios não me faltarão, mas como bem sei, “no pain, no gain”.
Há duas semanas, quando voltava a São Carlos para ver a família bateram em meu carro, assim, hoje, não conseguirei dar uma volta na cidade e ainda sairei por um caminho inesperado, através do aeroporto de Araraquara. Caminho que muitas vezes fiz e refiz de bicicleta. Caminho que conheço bem, onde fiz muita força tentando superar meus limites e o de hoje será o maior esforço de todos, o de conter o choro, pois sei que irei chorar, aliás, já estou chorando.