domingo, 14 de setembro de 2014

Eu Sei Que Vou Chorar

      Tenho um sentimento muito forte de pertencimento. Eu não possuo, eu pertenço. Pertenço às coisas, pertenço aos lugares, e, principalmente, pertenço às pessoas.

      Meu primeiro e significativo ponto de inflexão foi fácil. Saí, ainda adolescente, rebelde e arrogante da minha cidade natal, com seus 45 mil habitantes para estagiar em uma grande empresa em São Paulo. Deixava a família, era um jovem assustado mas destemido e desejoso de mudar uma estória de privações. Após alguns meses e já iniciando uma carreira de muito trabalho, liderança, viagens e hotéis me fixei em Campinas, uma cidade de 600 mil habitantes e onde já moravam o meu irmão, um técnico em ascensão profissional e a minha, então namorada e até hoje, esposa. Foi uma felicidade só.

      Quatro anos depois, com uma carreira profissional sendo encaminhada, casado e com uma filha, fizemos a mudança para Ribeirão Preto. A transição levou cerca de 3 meses, e como se repetiria, fui primeiro para trabalhar, mas retornando para casa aos finais de semana até que a mudança definitiva se efetivasse. Com grande senso de responsabilidade e profissionalmente progredindo senti a primeira perda. Fui de uma cidade muito maior para uma pior que tinha a metade da população de Campinas, além de ser suja, quente, empoeirada e fedida. Ribeirão fedia a plantação de cana e sofria com as populações migratórias de andorinhas. A praça central era imunda e cheia de fezes das aves que faziam uma bela revoada, mas emporcalhavam a cidade e a tornava mais fedida. Mesmo sem revelar a insegurança, fui entristecido. Deixava para trás um forte ambiente no qual me sentia totalmente inserido.

      Mas também deu certo. Depois de 8 anos, já com um filho, casa própria e exercendo cargo de liderança nos mudamos para Varginha. Novamente saia de uma cidade com cerca de 400 mil habitantes, rica, crescendo e da qual eu já conhecia os lugares bonitos para outra que contava os seus 80 mil habitantes. Longe, feia e com péssimas estradas. Comecei a trabalhar e a frequentar a cidade em fevereiro de 1988 e a mudança se concretizou em agosto. Me recordo como se fosse hoje, quando a transportadora carregou a nossa mudança, eu, sozinho, dei uma volta no anel viário de Ribeirão e chorei. Chorei de saudade daquilo que eu deixaria para trás.

      Também deu certo. Em Varginha por apenas dois anos e meio a família não cresceu, não comprei casa, mas avancei profissionalmente, pois já liderava um departamento e não apenas uma área. Novamente nos mudamos. Para exercer a mesma função porém em uma cidade maior, São Carlos, que então estava com 170 mil habitantes, o meu sentimento era de ganho e praticamente não teve transição. Em dezembro de 1990  tomamos a decisão, em 2 de janeiro comecei a trabalhar e no dia 23 do próprio mês já estávamos na nova casa. Porém a mesma situação se repetiu. No último dia em Varginha, novamente sozinho, ao dar uma volta no entorno da cidade, chorei. Chorei pelo que construí e pelos amigos que estava deixando.

      Foram 23 anos em São Carlos, onde meus filhos estudaram e cresceram, a Nega e eu também estudamos, crescemos e fincamos raízes. Profissionalmente estabilizado e muito satisfeito iniciei nova negociação que durou cerca de 5 meses, e com outros 5 meses de transição me encontro em nova mudança. A partir de amanhã meu endereço passa a ser na Bahia. Estou trabalhando em Salvador e iremos residir na vizinha Lauro de Freitas. Salvador é imensa, com mais de 3 milhões de habitantes e com a pobreza e a riqueza convivendo lado a lado. Lauro de Freitas, muito menor, parte da região metropolitana e caminho da chamada Linha Verde que liga a capital ao litoral norte é movimentada e feia, mas o oceano conserta tudo.

      Além do que construí em São Carlos não estarei deixando apenas o maior período que vivi em uma só cidade, mas também a minha filha, que aqui continuará residindo para seguir a sua própria vida. Tive muitos motivos para fazer essa escolha, e como tudo que ocorreu até agora, acredito que, assim como fui muito feliz aqui, também serei lá. Trabalho e desafios não me faltarão, mas como bem sei, “no pain, no gain”.

      Há duas semanas, quando voltava a São Carlos para ver a família bateram em meu carro, assim, hoje, não conseguirei dar uma volta na cidade e ainda sairei por um caminho inesperado, através do aeroporto de Araraquara. Caminho que muitas vezes fiz e refiz de bicicleta. Caminho que conheço bem, onde fiz muita força tentando superar meus limites e o de hoje será o maior esforço de todos, o de conter o choro, pois sei que irei chorar, aliás, já estou chorando.