terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Carteira Cheia

      A partir de fevereiro para ser atendido no sistema público de saúde o cidadão precisará possuir a Carteira Nacional de Saúde. Em se registrando, todo o histórico do paciente ficará disponível para acesso em qualquer unidade de saúde da federação. Veja a maravilha que essa tecnologia no dá, se eu for baleado no Piauí eles saberão imediatamente que tenho uma consulta agendada com o cardiologista no estado de São Paulo para daqui a 46 dias, não é fantástico?

      Ironia à parte reconheço os benefícios de um sistema automatizado e interligado, mas o que me chateia é o novo cadastro e mais uma carteirinha. Oficialmente temos a certidão de nascimento, a carteira de vacinação, o RG, a carteira de motorista, o certificado militar que é obrigatório para os homens, a certidão de casamento, o CPF, a carteira profissional, o título de leitor e para alguns, o passaporte, se é que eu não tenha me esquecido de mais algum. Depois vem a identidade funcional, os cartões dos bancos e os de crédito, e nas farmácias você deve ter um cartão da própria rede para obter descontos. Nos supermercados, nas locadoras, nos postos de combustíveis, ou seja, em qualquer lugar alguém inventa a moda de fazer um cadastro e emitir uma carteirinha e assim vou ficando com a carteira cheia...de carteirinhas, dinheiro que é necessário nem passa por ali, e se passasse não haveria lugar para ele.

      Será que esses gênios dos cadastros já pensaram em te registrar apenas pelo número da identidade? Bastaria se identificar com um único número para obter os benefícios ou as vantagens de qualquer serviço.

      Consigo imaginar duas críticas que podem ser feitas a esse sistema, a primeira com relação à segurança, pois o sistema ficaria mais vulnerável a fraudes. Não necessariamente, com a tecnologia disponível a segurança pode ser reforçada, inclusive com identificação biométrica, como está sendo implantada para o título de eleitor, além do que, as pessoas de bem não devem pagar pelos mal intencionados, basta que se puna os fraudadores, esse é o real problema, pois o mau exemplo vem de cima. A segunda é o caso oposto. O governo teria com um só número todo o histórico do cidadão, no jargão policial, a capivara. Não se iludam, eles já os possuem, só que custou um pouco mais caro e você já pagou por essa conta. Como não sou muito curioso não fico vasculhando os sites das empresas com os quais mantenho relações comerciais, mas outro dia verifiquei uma conta que tenho numa operadora de cartão de crédito e descobri que eles sabem muito mais da minha vida do que eu mesmo. Eles sabem o quanto gastei, com o quê, quando e onde. Tenho vários colegas que não se inscreveram para obter o reembolso da nota fiscal paulista para que o governo não vasculhe as suas vidas. Ilusão. Como eu, eles têm uma só fonte de renda, pois os amigos de pobres também são pobres, assim não eles não têm o que esconder, e estão perdendo uns bons trocados.

      O problema não seria a implantação de um sistema grande como esse, pois a soma dos sistemas menores é muito maior. E se não é possível fazer de uma vez, sejamos pragmáticos, para os adultos deixem como está, comecem implantando para os recém-nascidos e continuem ampliando. Daqui a algum tempo todo mundo estará inscrito. O importante é que parem de importunar o cidadão. Porque se os diversos cadastros já são um horror, lembrem-se, eles devem ser atualizados regularmente.

      Falando nisso, preciso renovar a minha carteira de motorista, o passaporte, e fazer a tal Carteira Nacional de Saúde.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Um Cavalo Mais Veloz.

      Cresci assistindo à geração brasileira que lutou pela liberdade e foi vitoriosa. Mas essa também queria a mudança de sistema econômico e não conseguiu, até porque a alternativa, o socialismo, não foi vencedor em nenhum lugar do mundo. Por sermos livres podemos optar em viver com os índios lá pelos cafundós de Roraima, como produtores de subsistência seja num assentamento ou numa invasão, naquilo que se convencionou chamar de civilização, embora nada tenha de civilidade em nossas cidades, ou ainda em outro país que nos aceite. Nos dois primeiros casos dá para ser invisível ao governo, mas na cidade a estória é outra. O tal mercado é quem domina e o sistema é cruel, pois ao mesmo tempo em que gera riqueza para poucos, condena muitos à miséria. Por falta de alternativa não é possível a mudança de sistema econômico, e não creio que haja regime político melhor que a democracia, mas alguma mudança há que ser feita, e não creio que isso ocorra em curto prazo, serão gerações de aperfeiçoamento.

      As armas para as mudanças são as políticas, mas como transformar um sistema incompetente, viciado, que legisla em causa própria e se perpetua no poder? A resposta está na mobilização, que depende, para seu sucesso, da divulgação, e agora essa se dá através da internet e da própria imprensa tradicional. Classifico como imprensa todos os veículos de comunicação e informação, ou seja, empresas, e essas são e serão sempre tendenciosas, pois são formadas por pessoas, e não existe pessoa isenta, todo mundo julga de acordo com a sua estória de vida, com a sua formação, com seus valores e convicções. Sendo assim o importante é que ela seja plural, que seja livre para apresentar as suas ideias de maneira que a população tenha acesso e possa formar juízo, fazer escolhas e exigir melhorias.

      Como o choro é livre pode-se atacar esse ou aquele veículo de comunicação, principalmente os que fazem sucesso, pois o sucesso sempre incomoda os que estão fora dele, e ao invés desse desperdício de energia seria mais sensato criar uma alternativa viável que conseguisse a mesma penetração, recurso que hoje é mais acessível por conta da divulgação eletrônica. Porém essa não é uma tarefa das mais fáceis, pois todos querem o melhor para si e alguns até o querem para os outros, no entanto, são poucos os que estão dispostos a sacrifícios para obter algum benefício, assim é mais cômodo se contentar com o pão e circo, e essa é a razão pela qual as empresas despejam futilidades. As pessoas gostam, assistem e acessam, mas não se dispõem a ler um texto mais complexo, com mais conteúdo, que lhe traga uma visão mais ampla da organização social e que possa fazer do conhecimento um agente de mudança. É como se não conhecessem as próprias necessidades, o que foi bem dito pelo primeiro fabricante de automóveis, Henry Ford. Antes da invenção do carro, se perguntassem às pessoas o que elas queriam a resposta seria um cavalo mais veloz.

      A liberdade e a democracia são bens inestimáveis mas não garantem o sucesso de ninguém. São importantes na medida em que permitem a organização, a divulgação e a mobilização das pessoas, diferentemente daqueles países em que as fronteiras são fechadas para a saída de seus cidadãos e que encarceram todos os principais manifestantes. Mas daí a se conseguir um sistema econômico justo há uma distância considerável.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Retrógrada


      Se você está lendo esse artigo é porque tem acesso à internet. Acesso esse que se popularizou nos últimos vinte anos e hoje ninguém que já o tenha experimentado quer, ou pode, dispender dele. Junto com essa rede vários negócios foram criados e outros modificados, e mais do que isso, foi criada uma cultura de conectados.

      Já me disseram que a internet aproxima os distantes e distancia os próximos e disso sou testemunha. Tenho feito amigos de diversas partes do mundo e me comunicado com amigos de tempos atrás, ao mesmo tempo em que nos sofás da sala de casa cada um de nós está com seu dispositivo conectado a uma rede sem fio fazendo a mesma coisa e, absurdamente, já nos falamos via computador estando a alguns metros uns dos outros ...  e vendo-nos.

      Nunca gostei de ler jornal e costumava me informar através de revistas e telejornais. Hoje continuo com as revistas, com os telejornais e, principalmente, verificando os sites de notícias. Não costumo utilizar as notícias instantâneas porque isso escraviza. Não posso ficar à mercê de um bombardeio de informações, a maioria inútil. Por isso escolho o que quero ler e no horário que considero ser o melhor.

      Ao mesmo tempo em que simplifica alguns serviços, por exemplo, compras e transações bancárias via rede, ela trás o risco para dentro das nossas casas. Desde fraudes em cartões de créditos, compras em sites fantasmas que recebem o dinheiro mas não entregam a mercadoria, e na disseminação de informações que facilitam roubos, furtos e até sequestros, sem falar na tão discutida e propagada pedofilia. 

      Nas diversas redes sociais as pessoas passaram a se expor mais. Nos sites de relacionamento alguns conhecidos impopulares têm centenas de amigos que gostam e comentam ações simples, cotidianas. Com a multifuncionalidade dos telefones celulares é comum ver fotos ou filmes segundos após terem sido feitos e terem sido disponibilizados, mesmo que o autor estivesse o tempo todo ao volante.
Não há dúvida que esse é um mundo novo no qual as crianças, cujas famílias têm acesso, já nascem conectadas, e até o ultrasom feito com poucas semanas de gestação é exposto e comemorado.

      Ainda que eu entenda um pouco de tecnologia, seja um usuário assíduo e mesmo que possa receber rótulos diversos, devo confessar: há coisas das quais não abro mão. Por exemplo, um texto elegante, que possua a gramática correta e que seja preciso. Não suporto ver notícias pela metade, com descrição pobre e coalhada de erros de português. Pior ainda são aquelas que se travestem de notícias para tratar de futilidades, e como tudo pode piorar, há ainda a sessão de comentários. Aqui os absurdos acontecem. Escondidos pelo pseudo anonimato e por pseudônimos ridículos alguns consideram a internet como sendo terra de ninguém. Perdem a razão nas primeiras palavras e por não serem consistentes atacam. Atacam para não serem atacados, mas o são assim mesmo. Essas pessoas não entendem que a internet é apenas um meio e não um fim em si, e na qual a civilidade, a educação e o respeito devem ser mantidos. Essa deve ser uma ferramenta para elevar o nosso nível cultural e não para rebaixá-lo.

      Há tempos li uma crônica – desabafo feita pelo escritor e repórter da Globo News Geneton Moraes Neto. Ele se sentiu caluniado pelo autor de um blog e ao invés de entrar na briga através da rede, provocou uma representação judicial e levou o caso até o julgamento. Na ação, que foi por ele ganha, não solicitou ressarcimento financeiro, mas apenas a condenação e a retratação, que foram feitas. 

      Posso ser retrógrada, mas sou otimista: nem tudo está perdido.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Quem Não Deve Não Teme.


      Agora que já passou a Noite Feliz, o Adeus Ano Velho e muitos já se preparam para o Ziriguidum, é tempo de nos inteirarmos da disputa fraticida em nosso poder judiciário e que afeta a todos nós que pagamos impostos.

      A Constituição no seu artigo 183-B determinou a instituição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do poder judiciário cujas atribuições incluem a reformulação de seus quadros e procedimentos, principalmente no que diz respeito à transparência administrativa e processual. Até aí tudo lindo, mas a corregedora do CNJ, a ministra Eliana Calmon, comprou uma briga de cachorro grande. Pelo que parece, por trás de seu trabalho sério há declarações polêmicas, desde a tal “ há gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga“ e também a que só conseguirá investigar os magistrados de São Paulo quando o “Sargento Garcia prender o Zorro”.

      Os órgãos representativos da classe se alvoroçaram e entraram com representação no Supremo Tribunal Federal (STF) que através de liminar determinou a paralisação de algumas investigações em curso. Entre os citados em tais investigações estão alguns juízes do próprio Supremo. Oras, os juízes também formam uma classe como todas as demais, e com certeza em seu meio deve haver profissionais de todos os matizes. Em um grupo tão numeroso, ainda que se considere a grande maioria honesta e trabalhadora, deve haver pelo menos uma meia dúzia de despreparados e mal intencionados. Em seu meio deve haver nepotismo, parcialidade em sentenças recompensadas financeiramente, além de alguns supersalários que através de chicanas jurídicas ultrapassam o teto estabelecido. Eu não tenho meios, conhecimento e nem condição de acusar ninguém, mas a procuradora, com certeza, sabe o que está dizendo.

      Outra questão polêmica levantada pelo CNJ foi a redução do período de férias dos magistrados para 30 dias ao invés do atuais 60. A justificativa da categoria é que os juízes precisam descansar e estudar para produzir um trabalho à altura dos anseios que a nação neles deposita. Mas e os médicos? E os policiais? E os professores? E os pedreiros e cortadores de cana? Esses não precisam de descanso e nem de educação? Não me parece que os juízes estão sendo justos, pois se consideram membros de uma categoria especial e acima da lei.

      Esses temas espinhosos apesar de serem públicos não têm apelo popular, a maioria da população não os conhece, logo não os discute e nem opina, mas se tomasse posição certamente seria favorável à CNJ e não às associações dos juízes, pois como já dizia a minha avó, quem não deve não teme.