domingo, 18 de outubro de 2015

Ribeirão Preto - O trabalho

      Como se diz aqui na Bahia, pense! Pense em algo que deu certo! Essa foi a minha passagem por Ribeirão Preto. Em Ribeirão nasceu o meu filho, a minha filha foi alfabetizada, minha esposa voltou a estudar, construí amizades excepcionais, montamos uma emissora de televisão, a atualizamos tecnicamente algumas vezes e lá comprei a minha primeira casa. Em Ribeirão cheguei técnico e saí gerente. Nada mal para uma carreira de apenas 12 anos de técnico em eletrônica com curso de nível médio. Foram oito anos intensos e incríveis.

Com os filhos em Ribeirão Preto

      Ainda em Campinas, concomitantemente com os dois primeiros anos como técnico de retransmissão e o primeiro como técnico de manutenção de TV, trabalhei em uma empresa que produzia transmissores e antenas para transmissão de sinais de TV, de onde herdei do meu primeiro pai profissional a obrigação de se fazer tudo com qualidade. Do meu segundo pai profissional ganhei a liberdade de criar o conceito de serviço bem feito, e que foi aperfeiçoado, e muito, graças a dois amigos que trabalhavam em uma equipe de instalação. A esses quatro amigos, já mortos, tenho muito a agradecer.

      Comecei como técnico e logo passei a conduzir a equipe, que para a época foi muito bem montada e se tornou eficiente e altamente qualificada. Era um tempo em que todos equipamentos eram importados, e a importação, além de ser um processo difícil, era muito cara, e isso nos obrigava a ser criativos. Os videotapes amassavam as fitas e essas eram reaproveitadas eliminando-se a parte ruim. Era um trabalho manual e lento. Criamos, com madeira e peças usadas, uma máquina simples para rebobinar as fitas e o trabalho ficou eficiente. As baterias de câmeras e VTs tinham vida útil muito baixa, criamos um equipamento que analisava cada célula das baterias, assim reuníamos as melhores células, montávamos novas baterias e dávamos uma sobrevida a cerca de 60% delas. Havia 8 VTs e apenas 2 equipamentos para a estabilização de imagens que eram muito caros, os Time Base Correctors (TBCs) em cuja entrada os sinais dos VTs eram comutados, no entanto eram sub utilizados, pois a comutação não contemplava a radiofrequência para a correção dos sinais  quando o defeito era causado por amassados ou perda de óxido das fitas. Criamos dois equipamentos que associados às matrizes que comutavam o sinal de entrada comutavam também a radiofrequência e disponibilizamos esse recurso.

      A inventividade sempre foi nosso forte. O primeiro prêmio de jornalismo de relevância  nacional que a a empresa ganhou era sobre a piracema no rio Mogi Guaçu e que mostrava imagens subaquáticas. Não dispúnhamos de equipamento para isso e nós desenvolvemos uma caixa blindada na qual enfiávamos uma câmera grande e extraíamos o seu sinal. A dificuldade foi fazê-la afundar e torná-la manobrável. Fizemos dezenas de testes com esse aparato na caixa d’água da empresa antes de disponibilizá-lo para a operação.

      A transmissão dos evento era um capítulo à parte. Desmontávamos metade da emissora, enfiávamos tudo dentro de uma Kombi, viajávamos para o local da transmissão e fazíamos a instalação. Dava muito trabalho, cansaço e estresse pois a possibilidade de algo dar errado era muito grande. Surgiu então a necessidade de se construir uma unidade móvel e a empresa apostou na nossa capacidade. Comprou um furgão e, a nosso pedido, ferramentas de serralheria e fizemos a integração do carro para transmissão dos eventos. Era uma estrutura fixa, com o cabeamento já posicionado, os locais dos equipamentos já determinados, criamos multicabos e disponibilizamos energia para os equipamentos e comunicação para os operadores. Mesmo assim tínhamos que desmontar metade da emissora, mas os instalávamos no carro ainda na emissora, os testávamos e chegávamos ao local do evento com a instalação praticamente pronta. A estreia foi em uma corrida de rua em Campinas e foi um sucesso. Entre um evento e outro o carro era utilizado para o transporte de equipamentos pesados de iluminação para as gravações externas de comerciais.

      Essas foram apenas algumas das muitas as vitórias técnicas, porém a principal foi o amadurecimento. Eu não tinha visão clara de carreira profissional, mas percebia que não haveria muita competição e tudo foi dando certo e eu me tornando arrogante. Eu “protegia os meus” e atirava em todas as direções com empáfia e com força desnecessária, mas tive tempo de me recuperar. Eu dispendia muita energia para sempre estar alerta, pois da mesma maneira que disparava eu levava chumbo. Aos poucos fui percebendo a minha ignorância, curando feridas e remendando situações. Finalmente compreendi que o importante não é “causar” quando se chega, mas o que de bom foi construído antes de sair. Assim me sinto feliz sabendo que lá deixei um bom legado e amigos melhores ainda. É um daqueles lugares em que posso sempre retornar e ser bem recebido. Faço, portanto, a minha homenagem a todos que trabalharam comigo, me suportaram nos dois sentidos: me ajudaram e aguentaram a minha bizarrice, pois em todas as coisas boas que foram criadas eles fizeram a maior parte. Muito obrigado amigos.