domingo, 22 de fevereiro de 2015

A Gripe do Ano

      Em alguns momentos o carnaval fez parte da minha vida. Na infância, adolescência e mesmo adulto, frequentei alguns clubes em épocas de carnaval e agora me vejo em Salvador, reconhecidamente um dos centros brasileiros do carnaval, porém agora não mais como participante, mas como trabalhador. Não estive nos circuitos e nem nos camarotes no período das festas, mas estive antes, na preparação, o resto assisti pela TV ou senti no trânsito.

      Não tenho conhecimento de outra cidade brasileira que conviva tão bem com o carnaval e não o digo pela participação popular, mas pela mudança na vida das pessoas, principalmente na dos moradores. Há 3 circuitos oficiais, o do Pelourinho, onde tem festa o ano todo e não recebe muita intervenção física, mas o fluxo de pessoas se expande enormemente nessa época. O do Campo Grande que é uma praça em frente a qual se localiza o famoso Teatro Castro Alves (TCA) e cujas laterais são tomadas pelas estruturas metálicas. Em uma das laterais fica uma arquibancada com 30.000 lugares e na outra alguns camarotes, pequenos para os padrões locais, e a estrutura para a cobertura das rádios e TVs. Os trios e os blocos passam por essas duas ruas e seguem em direção à Praça Castro Alves, e, por fim, o circuito Barra - Ondina de aproximadamente 3km que os trios levam cerca de 4 horas para percorrer. Nesse circuito ficam localizados os principais camarotes, alguns muito grandes, cuja lotação é de aproximadamente 2.000 pagantes e 300 funcionários.

Camarotes e estruturas de rádios e TVs no Campo Grande

      Tais estruturas começam a ser montadas em janeiro e terminam de ser desmontadas 15 dias após a quarta-feira de cinzas. São centenas de operários, máquinas, caminhões e guindastes trabalhando, fechando ruas, impedindo acessos e bloqueando calçadas. Nos dias da folia apenas moradores conseguem acesso, desde que apresentem comprovante de residência, mesmo assim se não houver bloco passando, pois nesse horário nem ambulância passa. Mãos de direção são mudadas e as ruas são invadidas por milhares de ambulantes, que montam seus minúsculos quiosques e por lá permanecem por uma semana, se alimentando e dormindo nas próprias ruas, calçadas, marquises e onde mais for possível. Não dá para falar disso sem esquecer dos mais de 2.300 sanitários químicos instalados. De repente pode ter uns 10 colocados em frente ao seu prédio, e como eles são poucos frente a quantidade de cerveja que é vendida, e todos conhecem as propriedades diuréticas do álcool, imaginem o que ocorre e o cheiro que fica.

Unidades móveis de produção e transmissão de TVs estacionadas na lateral do Campo Grande

      Os músicos e as bandas tocam de tudo. Todas as misturas são permitidas, de sertanejo, passando por funk a axe misturados no mesmo trio elétrico, e sem esquecer a MPB e clássicos do roque nacional e internacional. As apresentações também são ecléticas, desde algumas até talentosas a aquelas que fazem um esforço danado para aparecer, vestidos ou nem tanto. Algumas apresentações não não muito honestas, pois o público quer música para festejar, cantar e dançar e o músico balbucia 2 ou 3 palavras e fica “na mãozinha para cima” ou “tira o pé do chão”, pouco para quem pagou caro pelo Abadá.

      Nesse ano o Axé Music completou 30 anos e o carnaval começou um movimento de volta ao popular, aumentando o número dos trios sem cordas e as festas que ocorreram também em 6 bairros com mais de 200 shows. Há também os blocos com pequenas bandas que desfilam sem trios fora dos circuitos oficiais. Já se estuda, para o próximo ano, aumentar o carnaval em um dia e extender as festividades para 10 bairros. Segundo divulgado pelos veículos de comunicação, mais de 700.000 turistas vieram a Salvador nesse carnaval, e em algumas reportagens no aeroporto vários prometendo voltar no próximo ano e alguns chorando porque o desse ano acabou.

      Não sei dizer se a cidade ganha ou perde com o carnaval, mas muitos ganham mais nessa época, como os motoristas de taxi, ambulantes, hotéis e restaurantes. Muitos ganham dias livres, de sexta-feira de uma semana à quarta-feira da semana seguinte, outros como eu, recebem trabalho extra, e para a cidade fica a gripe do ano que recebe o nome da música escolhida como a mais popular do carnaval, nesse caso, o bi-campeão Márcio Víctor, que durante o carnaval foi operado do apêndice e 14 horas depois estava sobre o trio elétrico. Ele emplacou a música (e a gripe) do ano passado como Lepo-Lepo e a desse como Xenhenhém. É provável que em pouco tempo ninguém vá se lembrar dessas músicas, mas por hora, cumpriram o seu papel. 2016 promete!

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Na minha vez, muda!

      No trânsito, se estou em uma faixa ela segue mais devagar do que a vizinha, se troco, a nova pára e a antiga anda. Como diz um colega, na minha vez, muda. O mesmo ocorre na fila do banco e no caixa do supermercado, aliás, aqui em Salvador fila do caixa de supermercado é um martírio, mas na minha vez, muda.

      Quem, como eu, cresceu no tempo da ditadura militar passou do período do tudo é proibido aos dias de hoje onde tudo é permitido, na minha vez, muda!

      Naquele tempo aprendíamos na escola a ter respeito para com os mais velhos. Me lembro claramente da professora da segunda série dizendo que deveríamos respeitar os pais, que não devíamos perturba-los quando eles chegavam em casa, pois estavam exaustos trabalhando para nos dar o melhor. Hoje é diferente, ai do pai que ao chegar em casa não dê atenção ao filho. Será rotulado como ausente. Na minha vez, muda. Havia o almoço de domingo, e a comida era especial: macarrão com frango. A coxa, evidentemente, era para o pai. Hoje essas não são os pratos especiais, mas a coxa também não é do pai, na minha vez, muda.

 Meu avô, meu pai, meu filho e eu em 1988

      Na semana passada meu pai teria completado 82 anos e eu conversava com o meu filho e dizia da saudade que tenho dele. Meu pai nunca me levou à escola, nunca fez a minha matrícula e nunca sabia em que série eu estava, mas me dava um conselho: se você não quiser ficar como eu, estude. Meu pai nunca leu uma estória para mim, nunca me levou a festas e nem a viagens, no máximo fomos nadar no rio Tietê onde também pescamos juntos umas poucas vezes. Me lembro, ainda na fase dos 3 anos, que ele almoçava em casa e se deitava após o almoço e eu me deitava com ele, depois, quando ele saia para trabalhar me levava de bicicleta até a esquina de onde eu voltava correndo. Me lembro também das 3 vezes em que apanhei dele e da correia de couro que ficava atrás da porta da cozinha que era usada para castigar mim e aos meus irmãos. Essas são situações hoje inadmissíveis e ainda que na minha vez tenha mudado, não posso esquecer da bondade que meu pai tinha, não se tratava de fazer caridade ou oferecer o que sobrava, mas dividir o pouco que se tinha. Também não posso me esquecer do comprometimento com o trabalho. Para quem como ele ficou muito tempo desempregado depois de ter participado de uma greve no período da ditadura, fazia questão de me mostrar a importância do trabalho e da retidão de caráter, talvez meu maior patrimônio, e espero que isso não tenha mudado.