terça-feira, 21 de março de 2017

Algo de Podre no Ar

      Na última sexta-feira quando foi divulgada a operação Carne Fraca da Polícia Federal, imaginei que alguma coisa não cheirava bem.
      
      Como já disse vária vezes eu cresci no tempo da ditadura militar, período em que muitas coisas eram proibidas, pessoas foram exiladas, havia censura à imprensa e não havia eleição direta. O pior dos casos foi a tortura e o assassinato de pessoas. Houve algum mérito dos governos militares? Provavelmente sim. Houve deméritos dos governos militares? Com certeza. Mas até nisso nos mostramos ruins, pois a nossa ditadura quando comparada a de outros países foi coisa de amador. Não que eu a apoie, não que eu ache insignificante uma vida, mas são os fatos. Quantas mortes ocorreram por motivos políticos no Brasil? Entre 1946 e 1988 foram contabilizadas pela Comissão da Verdade 434 mortos ou desaparecidos (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1560655-veja-a-lista-de-mortos-e-desaparecidos-do-regime-militar.shtml). A gente não precisa ir longe nos comparando com países do oriente médio ou com mortes as promovidas pelo comunismo russo. Basta olhar os nossos vizinhos e os quase vizinhos latino-americanos no mesmo período, por exemplo Argentina e Chile, que com população imensamente menor matou muito mais pessoas. Até mesmo a transição para a democracia no Brasil se deu de maneira suave, sem guerra, sem tomada do poder. Sim, mas o que isso tem a ver com a carne podre? Explico.

      Atribui-se ao Ulysses Guimarães o ensinamento de que o congresso que entra é sempre pior do que o antigo. E não é que ele tinha razão? Não dá para negar o avanço que o país teve nos últimos 150 anos, e a aceleração continua. Continua não por causa dos governos, mas apesar deles, e quando falo em governo falo dos 3 poderes. O que está em jogo não é o quanto avançamos, mas o quanto deixamos de avançar por causa de decisões erradas dos nossos dirigentes.

      Há 3 anos a operação Lava-Jato vem desvendando a bandalheira e a roubalheira que dirigentes políticos, empresários, executivos e meliantes de toda sorte promoveram contra o erário e autarquias, isso em nome de poder político e riqueza pessoal. Ainda que eu discorde de algumas penas muito pequenas imputadas a criminosos convictos, palmas a esse lado da justiça que funciona, mas é preciso lembrar que a justiça deve ser pautada pelas leis, pelo que está escrito. Não podemos eleger salvadores da pátria e desprezar todos os demais colocando na vala comum os maus e os bons, sim porque, embora não pareça, há sim pessoas boas e bem-intencionadas. Apesar de que os bandidos e inocentes úteis disseminam a ideia de que todo mundo é igualmente ruim.

      Ocorreu de maneira atabalhoada a comunicação da operação Carne-Fraca. Colocou na mesma lata de lixo bandidos, transgressores e empresas e pessoas sérias. Não sou a favor da censura ou da omissão, mas como me ensinou um antigo chefe, só há uma maneira de se fazer as coisas: o jeito certo. Não houve uma avaliação do tamanho do mercado, da quantidade de indústrias, de funcionários das empresas e do governo, da dimensão do comércio envolvido, enfim, por causa de umas duas dezenas de empresas sujeitas a investigação, contaminou-se todo o mercado que abrange mais de 4.000 unidades de processamento. Os danos a curto prazo são irreparáveis. Foi o excesso de vaidade, talvez necessidade de holofotes que está levando ao descrédito uma operação necessária de combate à fraude, à corrupção e à saúde pública.

      O lado lúdico foi até bem-sucedido, pois houve piadas realmente criativas, porém, a melhor (ou pior) chacota será a mancha da imagem da Polícia Federal que promoveu o espetáculo, e que pelo bom trabalho que tem apresentado na Lava-Jato não merece isso. Pelo sim, ou pelo não, não deixei e nem deixarei de comer carne, aliás, no sábado comprei filet mignon a R$ 25,00 o quilo.
      Para que a democracia dê certo é necessário que a separação entre os poderes seja mantida. Quando um deles começa a semear em outra seara passamos a ter o mesmo risco que nos ofereceu a ditadura, e recentemente temos visto várias manifestações nesse sentido. Essa necessidade de protagonismo está levando as instituições, e nem só a Polícia Federal, a ultrapassar os seus limites. Como popularmente se diz, cada um deve ficar em seu quadrado.


      Ah! Só para lembrar, o descalabro produzido pela política é tão grande que a violência urbana assusta muito mais do que a ditadura. Entre 2011 e 2015 foram mortos de forma violenta 278.839 brasileiros, mais do que os 256.124 mortos na guerra (isso mesmo, na guerra!) da Síria no mesmo período. Isso significa que hoje, no Brasil, se mata em uma semana, 1.072 pessoas, mais do que o dobro do que a ditadura militar executou em seus nos 21 anos. (http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-10/brasil-tem-mais-mortes-violentas-do-que-siria-em-guerra-mostra).