sábado, 18 de novembro de 2017

O Melhor Da Refeição

      Não sou referência para nada e muito menos quando o assunto é paladar, pois nem mesmo sei dizer qual é a comida de que mais gosto, quando muito consigo enumerar as que prefiro não comer. Das comuns, fígado e giló, das exóticas, prefiro nem falar, mas não gosto de me arriscar, testar sabores, enfim, prefiro a certeza do que a proeza. No entanto, vendo o quanto as pessoas gostam de preparar, de comer, de comentar, de postar fotos, pensei um pouco e resolvi enumerar algumas boas lembranças. 

      A mais antiga foi um castigo que recebi; eu não tinha 5 anos quando minha mãe fez curau e eu queria comer ainda quente, ela mão deixou e fiquei enchendo a paciência. Meu pai chegou em casa e resolveu o problema: me deu um pouco e quando acabei ele perguntou se eu queria mais, sim, ele repetiu a dose, e ao final perguntou novamente, eu não quiz, mas ele colocou mais no prato e me fez comer. Fui até certo ponto e comecei a chorar, chorar muito... Hoje prefiro pamonha a curau.

      Depois dessa me lembrei da casa vizinha, uma família tão pobre quanto a nossa, mas eles eram em maior número, logo, sobrava menos para cada um, mas a dona Rute fazia uma sopa de feijão com macarrão que eu sempre comia. Nem me lembro se era tão boa assim, mas eu nunca a dispensava.

      Se tem uma comida que lembra a casa dos meus pais é o kibe cru. Moía-se o trigo úmido com a carne crua e os temperos vários vezes em máquina manual. Era sempre servido com muita cebola e hortelã.

      Já maiorzinho, na pré-adolescência, quando passava as férias em São Paulo, meu tio nos levava a alguns bares na Penha que às quartas-feiras servia feijoada. Arroz branco, couve refogada, laranja de sobremesa e feijoada em cumbuca de barro que chegava fumegando à mesa.

      Também nessa época, quando lutava judô eu tinha um amigo rico que morava perto de casa e em muitas das vezes eu voltava de carona com a pai dele, que na época tinha um Dodge Charger RT, o bólido esportivo daqueles tempos. Em uma dessas vezes fui convidado para ir até a casa dele onde havia, não sei por qual motivo, pois era uma noite de um dia útil, um churrasco, e me foi dada uma bisteca, grossa e mal passada. Te juro, nunca comi uma carne tão boa em toda a minha vida…

      Já morando em Campinas não posso me esquecer da lasanha que era servida no Macarronada Italiana que ficava em frente ao largo do Pará. Eram porções individuais em formas de barro, e o queijo vinha borbulhando. Havia também um risoto de camarão servido no Supermercado Eldorado que para mim era imperdível.

      Em umas férias em Ubatuba, no restaurante do próprio hotel nos servimos de uma lagosta ao Thermidor, para mim, até hoje, inigualável.

      Por tendências carnívoras e animalescas, teve uma época em que a minha preferência era Filet a Chateaubriand, mas não tinha um restaurante específico. Se tivesse no cardápio eu não ficava procurando por outro prato, e por ser mal passado é rápido para ser servido.

      No exterior, em várias cidades experimentei o New York Strip Steak,  rare, isso é, mal passado, o acompanhamento varia, mas a carne é sempre boa. Se aparecer no cardápio, acabou a minha dúvida, vou na certeza.

      A estação rodoviária de São Carlos fica praticamente no centro da cidade e há um pequeno estacionamento público ao lado que era comandado por flanelinhas. Quando eu precisava ir até lá eu preferia estacionar o carro nas ruas laterais e caminha um pouco. Certa vez fui buscar alguém na rodoviária por volta do meio dia. Estacionei o carro a uns 80m de distância e fui caminhando. Na esquina havia um bar que servia refeições, entre elas o famoso Prato Feito, PF para os íntimos. Ao passar por ali vi ser servido um pratão, com um bife acebolado, com muita cebola dourada e com um cheiro maravilhoso. Nunca comi lá e não sei dizer se o sabor condizia com o cheiro, mas a lembrança é muito boa.  

      Em casa, o prato que nunca encontrei melhor em nenhum lugar e que é um dos que mais aprecio é o inhoque de batatas à bolonhesa ou mesmo com molho de queijos. Tanto faz. Também em casa há muito tempo passamos a comer arroz integral e hoje esse é a nossa preferência, mas só o que é preparado pela Nega, pois em nenhum outro lugar ele fica tão bom.

      Tem gente que odeia e é sempre motivo de piadas na internet, mas gosto de maionese de legumes com maçã e uva passas, aliás sempre gostei de comer frutas com comida, banana, abacaxi, manga, pêssego, figo…enfim, para mim, bota lá que eu como.

      Não me apetece comidas muito secas, por isso quase sempre passo longe da farinha, mas pode misturar óleo de dendê e leite de coco que não perco tempo, assim, uma moqueca é sempre bem vinda. Mas não me venha com essa conversa de moqueca de ovo, coloque camarão ou pelo menos uma pescada amarela. 

      Sim, mesmo sem saber exatamente o que prefiro ou sem me dispor a ir a determinado restaurante por causa da comida, sou capaz de enumerar diversas boas experiências que tive, mas sempre durante as refeições me lembro que a parte mais gostosa é a Coca Cola, o puro suco natural do genuíno fruto do capitalismo…que pobreza!
 

domingo, 12 de novembro de 2017

Moinho de Reputações

      Dizer que o mundo mudou ou que as coisas não são mais como eram antigamente é lugar comum, pois sempre foi e será assim, o progresso de hoje é o atrasado do amanhã. As tecnologias tidas como revolucionárias e disruptivas, se vistas no curto espaço de tempo, foram, na verdade, gradualmente implementadas, isso ocorreu com a energia a vapor, com a energia elétrica e com a tecnologia da informação. Todas mudaram de maneira substancial, e sem volta, o modo de vida, e continuam evoluindo. Meu primeiro contato com computador foi em meu primeiro emprego com registro em carteira, isso há 42 anos. Está certo que o equipamento que tinha o tamanho de uma sala comercial era incapaz de executar um décimo do que um telefone celular de hoje faz, mas era um produto comercial. Uma das virtudes dessa tecnologia foi a agregação de funções, passando de simples executor de tarefas repetitivas para ser elemento de transformação social e do conceito de comunicação.

      Com a popularização da rede mundial de computadores a partir dos anos 90 do século passado a sociedade ganhou voz, e com o advento das redes sociais deram-se vários fenômenos, dos quais destaco dois:

1 - criação instantânea de celebridades, mesmo que, em muitas das vezes, efêmeras,

2 - destruidora de reputações.

      É dado valor a quem merece por alguém que daquilo gosta, comunga e compartilha, assim, mesmo que eu não reconheça alguns valores, a minha opinião não importa se aquilo é o que muitos desejam. Logo, mesmo que eu não os reconheça como célebres, os outros assim os determinam e ponto. São o que são.

      Somos complacientes com o que nos afeta e críticos contumazes daqueles que nos desagradam, e esse comportamento criou uma engrenagem informal que deu velocidade à maledicência. Os destacados Fake News são um exemplo. Não importa se não é verdade, a aparência é o que valida. O curioso é que nesse mecanismo nos associamos com os amigos em alguma causa e com os inimigos em outra, por exemplo, podemos defenestrar os torcedores do time adversário, mas sermos seus aliados políticos. Os xingamos no primeiro caso e os aplaudimos no segundo, e podemos mudar de lado quando nos aprouver.

      A boa reputação sempre foi difícil de ser construída e fácil de ser desmanchada e ainda demora uma vida para que alguém possa ser bem avaliado, mas a duração de um clique é suficiente para destruí-lo. E nesse sentido, aquilo que pode ser classificado como politicamente incorreto é campeão, veloz, certeiro e destruidor.

      Tivemos recentemente dois casos que tiveram o racismo como condição e o resultado foi devastador. A Ministra da Pasta do Direitos Humanos, reivindicando o direito de manter a sua aposentadoria como desembargadora e o salário de ministro, função em que efetivamente atua, disse em sua petição “…sem sobra de dúvida se assemelha ao trabalho escravo”. A tal frase foi lapidar. Jogou por terra toda a carreira construída ao longo de décadas de trabalho, estudo, promoções e ativismo. Não importa o que foi construído, o que importa é ter associado o termo escravo a um salário somado de cerca de R$ 33.700,00. Foi um argumento errado? Admitamos que sim. Foi uma colocação desastrada? Sim, foi. Ela perdeu uma boa oportunidade de ficar calada? Sim, perdeu, mas a carreira dela não tem valor? Se visto de outra maneira isso poderia ser diferente? Vejamos: se a Ministra estivesse liderando uma manifestação de valorização das minorias pobres e negras e dissesse que o salário recebido por essa parcela da população é insuficiente e que para sair dessa miséria que se assemelha a escravidão cada um teria que receber pelo menos R$ 30.000,00 de salário nada teria acontecido. Nada mesmo. Para mim a reação contra ela foi exagerada, mas essa marca será sempre lembrada em detrimento a tudo mais que ela construiu.

      Na semana passada passou a circular o vídeo gravado há um ano em que um jornalista, embora com parte inaudível, mas dedutível, parece dizer  ”…é preto... coisa de preto". De acordo com o contexto pode ser considerado racismo? Sim, pode. Ele pode vir a ser processado e condenado? Pode. Pode perder o emprego? Tanto pode que afastado da função já está, mas eu duvido que de fato ele seja racista. Que ele não tenha amigos negros, que não admire e tenha se inspirado em negros, que não respeite pessoas de raça negra. Reconheço que para os negros isso é um acinte, mas o caso foi amplificado justamente pelo fato de que ele é um jornalista culto, inteligente, competente, referência, e por trabalhar em um veículo de credibilidade e grande penetração. Haverá negros que se sentirão ofendidos e outros que poderão classificar como bobagem, mas muitos não negros que o acusam podem ter feito coisas piores, porém não foram flagrados. Será que esses nunca contaram ou riram de uma piada sobre negros, gays, argentinos ou portugueses ou ainda, não praticaram bulling na escola? Não haverá no meio desses acusadores uma grande parcela de falso-moralistas que se aproveitam da oportunidade para simplesmente se manter em evidência? Não estou aqui para defender o jornalista, pois ele é muito mais capaz e competente para fazer isso, além do que nunca precisou ou precisará de mim, mas será que nós precisamos ser assim?

      Eu gostaria que internet e as redes sociais fossem lembradas muito mais por aquilo que elas podem construir do que que pelas reputações que elas podem arrasar, mas esses são apenas os meios, o que importa são as pessoas que os utilizam. Quanto às celebridades meteóricas, bem, deixem pra lá…