terça-feira, 21 de abril de 2015

Para Ler Dostoiévski

      Fazia muito que eu estava acordado e não eram ainda seis da manhã em São Carlos. A Nega dormia ao meu lado em um hotel simples mas bem equipado. Ao invés do barulho do televisor preferi ler as mensagens e acessar a web até que ela acordasse. Às sete tomamos café e exagerei no carboidrato pois sabia que o dia seria longo e as refeições irregulares. Após me barbear, tomar banho e arrumar as malas deixamos o hotel para nos encontrar com nossa filha, genro e neto.

Romeo dormindo em meu colo.
      
      Entre conversas e planos recebemos a visita de uma amiga que há um ano eu gostaria de ver. Foi rápido, mas acalentador, pois é bom saber que ela está bem. Às dez da manhã e após ter tomado banho, o neto, de uma semana, se pôs a chorar e parou no colo do avô babão, que andava feito tonto pela casa e conversava com ele assistindo àqueles olhinhos admirados. Foram quarenta e cinco minutos curtos e com os três quilos mais leves que há tanto tempo eu não carregava. Chegou nova visita, uma família de amigos que já são de casa. O meu prazo se esgotou. É hora de ir para a rodoviária, não sem antes me lamentar pelas despedidas.

      Com cinco minutos de atraso chegou o ônibus, novo, limpo, refrigerado e confortável. Veio cheio de estudantes, principalmente garotas que dormiam esparramadas pelas poltronas. Como é linda a juventude, e seria mais ainda se não se excedesse nas bebidas alcoólicas. A parada de vinte minutos é mais do que suficiente para uma alimentação de bom sabor e baixa qualidade. Mas o posto, assim como atestei na ida, quanta diferença com os da realidade da Bahia. Grande, limpo, decorado, confortável, refrigerado, com muita opção, inclusive de comida saudável, onde o wifi funciona, o 3G funciona, e sob a marquise de 80m x 5m não se fuma. Apesar de ser dia de retorno do feriado prolongado o movimento foi tranquilo e as estradas, Washington Luis, Anhanguera e Bandeirantes são boas.

      Aproveito o conforto e o tempo para ler Dostoiévski enquanto ouço uma sequência em ordem alfabética das quase mil músicas armazenadas no telefone. Entre estrangeiras e nacionais comecei onde havia parado, na letra I e terminei na M, muito antes de Metamorfose Ambulante, do baiano Raul Seixas. A chegada a São Paulo foi com chuva e trânsito bom. Tudo muito rápido no Terminal Rodoviário do Tietê, por onde o Brasil inteiro passa. Só dá para ficar contrariado com o preço do taxi, R$ 120,00 para ir até o aeroporto de Guarulhos. Há outras opções, mas para não perder tempo, é melhor pagar. Sem problemas cheguei à sala de embarque com uma hora de antecedência o que me fez ler um pouco mais. Os terminais 1 e 2 foram ampliados, remodelados e não estão dos piores, mas falta sinalização, escadas rolantes e fingers, pois ainda há embarques em que se toma um ônibus para se chegar até o avião. Como não ia ter janta em casa, tive que morrer com o preço elevado da comida ruim daqui mesmo.
Área de embarque doméstico do aeroporto de Guarulhos.

      Quando você for de São Paulo a Salvador aconselho a pegar uma poltrona na janela do lado direito. Durante o dia e mesmo à noite, a chegada é bonita. O sobrevoo na Ilha de Itaparica, em grande extensão da Bahia de Todos Os Santos, a vista do Farol da Barra, da orla, da via Paralela são de se admirar. Durante o dia, se olhar bem vai aparecer muita coisa feia, mas a parte bonita se sobressai. O estacionamento contíguo ao aeroporto de Salvador é prático, mas além de ruim é caro, nunca vi um atendimento tão ruim. Ali não se faz jus à fama de ser, o povo baiano, acolhedor. Das muitas dezenas de vezes que passei por lá em apenas uma a atendente me cumprimentou. Dessa vez utilizei um estacionamento mais distante por ser mais barato, mas que disponibiliza um serviço de van para os clientes. Não é tão prático, mas para estadias mais longas o preço compensa o desconforto. A via de saída da área do aeroporto sob os arcos de bambus é particularmente bonita durante o dia e até mesmo à noite tem seu charme.

      Tempo bom, trânsito tranquilo e rapidamente cheguei à nossa casa para rever e conversar com nosso filho. Saber e contar as novidades, jogar um pouco de conversa fora, ler as mensagens e dormir cedo para acordar cedo que amanhã é dia de voltar a trabalhar, e trabalhar muito. No próximo dia cinco completarei um ano trabalhando em Salvador e essa foi a primeira vez que deixei de trabalhar por quatro dias seguidos. Por várias pessoas eu faria isso, mas dessa vez foi especial, foi pela filha e pelo neto. Chego ao final do dia cansado, já com saudade mas muito feliz.

domingo, 5 de abril de 2015

Não Está Fácil Para Ninguém

      Tenho ouvido muito a frase “não está fácil para ninguém” e como para mim não está, não deve estar mesmo. Um sintoma é que tem muito jovem clamando pela ditadura militar sem saber ao certo o que isso significa. Com certeza eles não sabem que a liberdade tem um valor inestimável, e não sabem porque são livres. Eles não experimentaram a repressão e a que eles conhecem é só a que aparece nos noticiários, longe da gente. Outro sintoma vem dos próprios jornais, só desgraça. Não há notícia acalentadora, apenas tragédias, crimes e bobagens.

      A inquietação provém da falta de esperança. É chover no molhado, mas a educação é uma piada, poucos chegam a um nível de excelência; a maioria apenas consegue um grau sofrível. Faz tempo que observo isso no ambiente profissional e nos atendimentos de serviços, muita gente se expressa mal mesmo em linguagem coloquial, nota-se que o conhecimento é parco e o raciocínio é primário, pouco elaborado. Some-se à isso a violência. Hoje pode-se dizer que o crime compensa. O grande exemplo vem das autoridades. Cada grande escândalo é esquecido quando se descobre o próximo. É muita gente roubando, é muita gente se aproveitando do poder para servir-se. Se o crime compensa para nossas autoridades qual é o exemplo que eles dão aos jovens? Estudar para trabalhar? Isso é coisa de otário, “se dar bem” é o que importa. O caminho mais fácil é o que é valorizado.

      Também vivemos um tempo de muito mi mi mi. Nesse tempo do politicamente correto sempre há quem se sinta ofendido por coisas óbvias. Os valores são confusos e o patrulhamento ideológico é perverso. Basta a defesa de um tema polêmico para ser perseguido, principalmente nas redes sociais que tem rápida e profunda penetração. Para expressar aquilo que lhe é correto deve-se pensar muito para que não seja processado ou moralmente linchado.

      Sim, análise superficial e crítica, assim como eu, todos são capazes de fazer, mas como resolver? Há saída? Claro que sim, na democracia sempre é mais difícil atingir os resultados, mas com certeza há pessoas capacitadas a nos liderar e nos conduzir por um bom caminho.