domingo, 17 de fevereiro de 2013

Praticando O Desapego


      Em uma única noite de natal vejo crianças ganhando mais presentes do que ganhei em toda a minha infância. Dos poucos que tive a maior parte era roupa e alguns eram para ser divididos com meu irmão. Salvo alguns vindos de tios e tias, os demais foram comprados pela minha mãe ainda que o dinheiro tenha vindo do meu pai. Talvez por isso me lembro bem do único presente que o meu pai me deu.

      Logo que completei 18 anos deixei a casa de meus pais em minha cidade natal para começar a minha carreira profissional e tinha pouca coisa para levar. Tudo o que eu tinha e valia a pena ser carregada cabia em uma pequena mala e lá estava o tal presente: um aparelho metálico de barbear, daqueles que utilizavam a velha lâmina que era conhecida pela marca Gillete, algumas com o nome Blue Blade.

      Não tenhobarba cerrada mas acostumei a cortá-la todos os dias, e ao contrário de muitos dos meus amigos, gosto desse momento. É o meu tempo de verdade em frente ao espelho. Utilizei o tal aparelho desde 1977 e por mais ou menos uns 20 anos quando ele se estragou e tive que me render à modernidade. Passei a utilizar o GII, de lâminas paralelas. Acostumei-me com ele e utilizo a tal lâmina até que a barba não esteja sendo cortada, mas quase arrancada.


      Como o capitalismo é pródigo em criar necessidade, há tempos li uma reportagem travestida de matéria em que o fabricante havia gastado alguns milhões de dólares para desenvolver o aparelho com três lâminas paralelas. Oras, se já havia duas, para colocar uma terceira deveria custar baratinho, o contrário me parece apenas enrolação. Mas esse não é o meu dilema.

      Sou muito apegado às coisas, costumes e pessoas. Vou ao mesmo posto de combustível, vario pouco de restaurante, só tenho conta em um banco, estou na mesma empresa há praticamente 34 anos, cultivo amizades do tempo da minha adolescência. E agora não estou mais encontrando a tal lâmina GII para comprar. Dizem que pararam de fabricar e revirando as gavetas consegui juntar apenas cinco, ou seja, utilizando cada uma por 2 meses, quando entrarmos em 2014 precisarei dar uma solução.

      Há algumas opções: as de três lâminas, as de cabeça móvel, as de outros fabricantes, os descartáveis, os aparelhos elétricos, mas por enquanto nenhuma me atraiu. Isso é como comprar tênis, no pé dos outros parece bonito, no próprio pé fica meio estranho.

      Além de me preocupar com isso há um fato que sempre me intrigou: na embalagem comercial havia espaço para seis lâminas mas só vinha quatro no pacote. Assim vocês podem me ajudar ou desvendando o mistério ou me enviando as que encontrarem adiando assim o meu momento de desapego. 

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Sons Urbanos


      Moramos no centro da cidade para facilitar o deslocamento e temos outras vantagens: não falta saneamento básico, a coleta de lixo se dá todos os dias, não falta água, são poucos os cortes de energia e esses, quando ocorrem, são curtos, as ruas são razoavelmente pavimentadas, há acesso a TV a cabo e telefone, e o transporte público é fácil. Mas isso tem custo: os preços são sempre mais altos e há barulho, muito barulho.

      O mais constante é o do trânsito, e são carros, motos e veículos grandes como caminhões e ônibus. Sempre tem a insuportável música do caminhão de gás, a da pamonha de Piracicaba e carros de som com todos os tipos de promoção, mas nenhuma que te dê alguma coisa, mas sempre querendo te tomar algo, seja, no mínimo, tempo ou dinheiro, ou os dois.

      Também tem as construções. São várias simultaneamente, e quando uma termina sempre há outra começando. São bate-estacas, marteletes, serras circulares, furadeiras, maquitas, marretas e os pedreiros. Nunca vi! Ô povo que gosta de gritar! Tem ainda os pedreiros cantores, que trabalham duro mas disfarçam o sofrimento.

      Do outro lado da rua tem uma loja de instalação de som em carros que tem um razoável movimento, enquanto eles trabalham o barulho não é alto, mas quando eles acabam o serviço e vão testar os equipamentos...é um Deus Nos Acuda! Além de alto, o que mais irrita são as batidas graves de som eletrônico e música vagabunda. Parece teorema: quem ouve som muito alto gosta de música ruim.

      Na rua ao lado tem um senhor que comprou uma bomba de água sob pressão, e aos finais de semana ele lava a calçada. É aquela batida contínua e irritante, e não sei como demora tanto tempo para lavar uma calçada tão pequena. Também não sei se ele se diverte mais por lavar a calçada ou por irritar os vizinhos.

      Na outra esquina tem o teatro de arena que é pouco utilizado, mas na maioria das vezes, aos domingos, há bandas tocando entre 5 da tarde e 8 ou 9 da noite. Parece que eles tocam na janela da minha sala. E na esquina de cima tem o Flor de Maio. Nesse há duas atividades, o baile da terceira idade e um grupo de batuque. Esse grupo se reúne em alguns finais de semana aos sábados ou domingos (ontem foi sexta-feira mas eles tocaram, acho que é porque é carnaval) sempre no início da noite. Tocam um pouco e às vezes percorrem os quarteirões da região. Mas como tocam mal! Faz tempo que eles ensaiam e eu acho que não está adiantando, pois eles não evoluíram nada! E o bailão ocorre aos sábados das 10 às 4 da madrugada, e aos domingos da 6 às 10:30 da noite. O salão não é refrigerado, não possui tratamento acústico e fica a uns 70m em linha reta da janela do meu quarto. Daqui posso ver algumas partes do interior do salão e o som chega alto. Quando fecho a janela do quarto o som chega refletido no prédio de trás. Quando a banda começa tocar músicas da Xuxa ou a marchinha Globeleza é porque está apelando, não tem repertório para a noite toda e começa a improvisar. Há umas bandas muito ruins, com cantores péssimos e repertório limitado, mas quando vejo estacionado ao lado do salão o ônibus velho da Banda Chapadão fico mais contente, pois a tortura será mais suave.

      Na casa ao lado tem um senhor que briga com Deus e Todo Mundo e em alto volume. É um tal de vai tomar no c... pra lá, filho da p... pra cá e o estoque de palavrões é enorme. Às vezes alguns copos e jarras voam, mas ficam restritos ao quintal dele. Entre cinco para as seis e seis e cinco da manhã são abertas as portas da padaria que fica na rua de cima. Uma depois a outra, diariamente. Como a padaria já trocou de dono algumas vezes, eu posso garantir, já teve alguns mais pontuais.

      Se não bastassem todos esses há também os alarmes. Há os de carros que sempre disparam e demora para serem desligados e às vezes são vários ao mesmo tempo, mas os piores, ainda que em menor número de ocorrência, são os de residência que tem a campainha mais alta. Algumas vezes um desses alarmes é disparado e o usuário do imóvel não é encontrado para desligá-lo e haja paciência para suportar aquela buzina insuportável.

      Quando me mudei para esse prédio havia um galinheiro em um dos quintais, mas eles se foram. Também cortaram as duas mangueiras e algumas bananeiras dos quintais vizinhos, mas ainda há algumas árvores frutíferas que trazem pássaros, e antes do dia amanhecer só ouço os piados, mas quando clareia é uma farra, principalmente das Maritacas e Bem-Te-Vis. Esse ainda é um som maravilhoso e que, independente dos ruídos noturnos, sempre me alegra.