terça-feira, 27 de setembro de 2011

Caminho Da Fé

      Sobre crença e fé falarei em outra oportunidade, aqui quero relatar a minha terceira viagem pelo Caminho Da Fé, de São Carlos a Aparecida, percurso de aproximadamente 540 km que percorremos de bicicleta em quatro e meio dias. Digo meio dia porque no último foram apenas três horas e doze minutos pedalando. Voltamos a São Carlos utilizando uma Van que trouxe também as bicicletas sem que fosse necessário desmontá-las.

      Em outubro do ano passado quando fizemos o planejamento das férias para 2011 previmos a coincidência de alguns dias para que o Rodrigo (35), o Alex (29) e eu (53) pudéssemos fazer o percurso em 5 dias e estabelecemos a data do início: 17 de setembro. Durante os primeiros 6 meses comecei a treinar mais assiduamente e com maior intensidade, e a partir de março comecei a frequentar uma academia duas vezes por semana e com um técnico para me orientar. Fiz exercícios para fortalecer as costas que são muito exigidas nas subidas, e para os ombros que doem quando os freios são muito utilizados em descidas fortes. Além disso, melhorei a técnica para pedalar e fiz exercícios de força para conseguir o equilíbrio muscular. Também, como faço todos os anos, continuei com as consultas com o cardiologista e fiz o exame ergométrico antes de viajar, e a conselho do médico busquei a ajuda de uma nutricionista ligada ao esporte que me orientou sobre a alimentação rotineira para período de treinamento e também com a suplementação alimentar para o percurso.

      Estudamos o trajeto que já conhecíamos verificando detalhadamente as distâncias e as altimetrias de cada trecho e assim planejamos a logística que incluía percorrer cerca de 150km no primeiro dia, e para testar, no dia 13 de agosto fomos até Vargem Grande do Sul, que seria o nosso primeiro ponto de repouso. Verificando que seria possível percorrer esse trajeto fizemos a divisão do que faltava e planejamos a redução de peso a ser transportado, já que não teríamos carro de apoio. Com a aproximação da data da partida a expectativa foi aumentando e o medo de não conseguir também.

      Deixei a minha casa às 4:10h da manhã do dia 17 e encontrei o Rodrigo, que estava meio resfriado e tinha quebrado um dente na noite anterior, ele estava meio abatido e com tendência a desistir. Pedalamos bem nesse primeiro dia, que apesar de longo não tem muita subida e chegamos por volta das 15:30h a Vargem Grande e ficamos no hotel Príncipe. O Rodrigo que tinha sentido dores na virilha não estava certo de continuar no dia seguinte, mas continuamos. No segundo dia, que era o meu aniversário, subimos forte logo cedo, por volta das 5:30h, a Serra da Fartura, depois descemos para Águas da Prata e subimos o Pico do Gavião, rumo a Andradas. Chegando a essa cidade seguimos um trecho pelo acostamento da pista asfaltada e na subida, por duas vezes fomos “fechados” e quase atropelado por um bêbado dirigindo um Fiat Uno com várias pessoas dentro que chamou o Rodrigo de “paceiro”. E ele apenas queria saber qual era a próxima cidade. Almoçamos em Andradas e subimos a Serra dos Limas, trecho difícil assim como também é difícil a descida para Barra, a próxima cidadezinha. Saindo de Barra tem uma elevação forte onde um Palio e um Gol 1000 não conseguiam subir, mas nós subimos a maior parte pedalando. Tocamos até Ouro Fino onde chegamos já anoitecendo.

      Saímos de Ouro Fino às 7h da manhã e o começo é tranquilo, a dificuldade começa perto de Borda da Mata e fica pior no caminho para Tocos do Mogi. Uma sucessão de subidas e descidas fortes que se estendem até Estiva, onde cruzamos a rodovia Fernão Dias e subimos a Serra do Caçador que também é muito difícil e chegamos a Consolação por volta das 6 da tarde. Tocamos pelo asfalto até Paraisópolis, pois a condição de hospedagem e alimentação é melhor e aonde chegamos às 19:41h. Durante o café da manhã nos encontramos com 2 peregrinos, um jornalista de Brasília que faz tai chi chuan pela manhã e caminha devagar conversando com os proprietários rurais “para saber dos seus problemas” e com um publicitário que é de Sorocaba mas que trabalha no Boticário em Curitiba. Eles iriam apenas até Luminosa nesse dia. Já tínhamos percorrido as 3 maiores distâncias, mas no quarto dia, com cerca de 60km até Campos do Jordão teríamos a maior diferença de altitude a ser vencida de uma só vez, cerca de 1000m na Serra da Luminosa, mas antes disso, a própria chegada a Luminosa já impunha um bom desafio para quem estava com as pernas doloridas, tanto na subida forte como na descida inclinadíssima. Na praça de Luminosa um rapaz perguntou ao Alex de onde éramos e ao saber, disse que conhecia São Carlos – tem uma droga boa lá! Perguntou se o Alex curtia e diante da negativa ele afirmou que aqui “tem um pó do bom”. O único pó que tínhamos era a poeira das estradas e fomos subindo a Luminosa até o Quebra Pernas. Nesse trecho a minha bike começou a apresentar problemas na transmissão. Chegamos à Pousada Barão Montês em Campista, onde o proprietário, Márcio, preparou para nós um ótimo almoço. Seguimos até Campos do Jordão já sabendo que encontraríamos um casal que estava caminhando. Encontramos-nos durante o jantar na pousada, ele um senhor de 65 anos, de corpo franzino, mas ativo. Disse que caminha muito todos os dias e que pedala mais de 20km recolhendo lixo. Ela uma senhora forte de uns 40 e poucos anos, bancária, 3 filhos quase adultos e que na semana seguinte iria a Portugal e Espanha, inclusive a Santiago de Compostela, mas que não iria fazer essa peregrinação. O marido dela iria buscá-los de carro em Aparecida. Na manhã seguinte durante o café às 6 da manhã encontramos com outro casal, ele com mais de 60 anos e ela por volta dos 30, ele seguia caminhando e ela ia de cidade em cidade de ônibus ou carona e o esperava. Ele não estava em boas condições, estava sentindo fortes dores nas pernas, mas estava propenso a concluir.

      Faltavam 14 minutos para as 7 da manhã quando deixamos a pousada e por volta das 10:30 já estávamos em Aparecida. Chegando ao Santuário a Van que havíamos contratado já estava nos esperando. Sinto sempre uma emoção muito grande ao receber o diploma que atesta o cumprimento do Caminho Da Fé e também pelo clima que tem na basílica. Depois de tomarmos banho, trocarmos de roupas e comprarmos algumas lembranças deixamos Aparecida por volta do meio-dia e chegamos a São Carlos às 5 da tarde.

      O Caminho Da Fé, percorrido dessa maneira, é o lugar onde você não vê a hora de terminar e quando termina não vê a hora de fazê-lo novamente. Já sabemos o que devemos fazer para percorrê-lo em apenas 4 dias.

domingo, 4 de setembro de 2011

53 Anos.

      Estou para completar 53 anos e há uma coincidência cíclica em minha vida. Normalmente entre as idades terminadas com 2 e 4 costumo estar bem fisicamente. Não são muito claras as recordações dos primeiros anos entre 2 e 4, porém mais perto dos quatro me lembro da casa, da goiabeira, de ir até a esquina na bicicleta do meu pai quando ele ia para o trabalho e eu voltava correndo, de me deitar com meus pais na cama deles logo após o almoço e ficar escutando as conversas, e também do nascimento da minha irmã.

Casa em que morei entre 1958 e 1963. Essa foto foi tirada em 1997.
A casa não mais existe, foi destruída em um incêndio e onde está o mamoeiro ficava a goiabeira.

      Entre os 12 e 14 anos eu estava no antigo curso ginasial e estudava à tarde. Foi nessa época que aprendi a jogar basquete e passava as manhãs e noites na faculdade de educação física, que era perto de casa, sempre rodeando as quadras de esportes esperando que me chamassem para completar um time. Eu jogava todos os dias. Fiz uma tabela de madeira que prendi no galho da mangueira do quintal de casa e cujo aro era um volante de Kombi. A rede fui eu mesmo que fiz com linha de nylon, pois é, eu também sabia fazer redes de pesca. Nessa quadra improvisada aprimorei as jogadas e arremessos, e me lembro de um jogo contra o meu irmão, sendo eu “abusado”, o driblei passando a bola por debaixo das minhas próprias pernas e tomei um chute por isso.

      Já morando em Ribeirão Preto, aos 22 anos, além de jogar basquete também jogava futebol de salão. Eu pesava apenas 57 kg e corria muito, não era muito rápido, mas sim resistente. Nós jogávamos basquete na quadra do SESC que era aberta para a rua, o problema é que só podíamos fazer isso depois que terminavam as aulas, ou seja, o jogo iniciava às 11 da noite e terminava por volta da uma da madrugada. Disputei vários campeonatos locais, tanto de futebol de salão quanto de basquete e até ganhamos alguma coisa.


Jogando Futsal em Ribeirão Preto em 1981.

      Aos 32 anos me mudei para São Carlos e no início trabalhei muito, cheguei a perder 4 quilos dos 77 que eu pesava, mas ainda não tinha voltado a praticar esportes. Depois de estabilizado encontrei o caminho ideal, a academia do Meneghelli, que ficava ao lado da Praça Santa Cruz, onde além de preparação física 3 vezes por semana sempre havia um joguinho de uma meia hora. Conheci algumas pessoas que corriam e passei a correr também, algo como 10km, não muito rapidamente, mas facilmente. Na empresa montei um time de basquete e disputamos os jogos operários umas 2 ou 3 vezes e estivemos sempre entre os primeiros lugares e em um ano chegamos a ser campeões.

      Estudei engenharia em Ribeirão Preto em um curso noturno viajando todos os dias, ou melhor, todas as noites. Eu não contava o tempo para concluir, contava os kilômetros. Dormia mal, comia mal, trabalhava muito, descansava pouco e aos 42 anos cheguei a pesar 82 kg. Por causa de um problema secundário acabei parando no cardiologista e através de exames foi verificado que o nível de triglicérides era muito elevado. Continuei com a minha rotina, mas acrescentei a academia 3 vezes por semana e com a ajuda de uma nutricionista mudei a alimentação. Meu peso despencou para 73kg. Nesse período também comecei a jogar tênis, não de maneira exímia, mas socialmente eu me virava bem.

Jogando Tênis na Academia Reppening em 2002.

      O tênis exige muita explosão e rotação, e com sucessivas lesões nos quadris, joelhos e panturrilhas, voltei a correr, minha melhor marca foi de 12 km em uma hora, mas o joelho também reclamou, então aos 51 anos redescobri a bicicleta, brinquedo de infância que naquela época não tive mas que sempre usei. Reformei uma Caloi 10 e para pedalar por 3 km quase morria. Comprei uma moutain bike e após seis meses percorri o Caminho da Fé. Foram 540km em 8 dias. Comprei uma speedy e passei a andar nos acostamentos das pistas e a fazer coisas como ir até Ribeirão Preto, 96 km, a Casa Branca, 102 km, a Rio Claro e voltar, 140 km, fui até o município de Taquaritinga e voltei até Araraquara onde furou o pneu, e como já estava escurecendo pedi ajuda, mas percorri 165km. A Araraquara fui diversas vezes, inclusive a trabalho, e Ibaté é como se fosse o quintal de casa, vou até lá várias vezes por semana. Em setembro do ano passado pedalei por 1.000km, foi uma preparação para subir o Tamalpais Mount (800m) em São Francisco, na Califórnia, eu estava bem e a subida foi fácil. Nesse mês de agosto percorri 1.223 km, inclusive chegando a Vargem Grande do Sul a 170 km daqui, e o próximo desafio será ainda nesse mês: novamente o Caminho da Fé, mas em 5 dias. Como preparação, além da bicicleta, faz 6 meses que estou freqüentando uma academia duas vezes por semana, e tenho ido e voltado do trabalho à pé pelo menos 3 vezes por semana, mas confesso que estou morrendo de medo de não conseguir.

Treinando no Swiss Park com a speed - setembro 2011.

      Desde a descoberta do nível elevado de triglicérides faço anualmente o exame ergométrico e aprendi alguma coisa sobre ele. São 2 protocolos utilizados, o de Bruce, aplicado a pessoas pouco ativas fisicamente ou a corredores de longas distâncias, já que é uma rotina longa e com tempos maiores entre as mudanças de velocidade e inclinação, e há também o protocolo Ellestad que é utilizado para os fisicamente ativos e é esse que costumo fazer. Apesar de sempre estar bem, nunca cheguei ao final do protocolo, o que passou a ser uma meta. Como no ano passado fiz mais de 13 minutos, decidi que nesse exame não faria menos de 14, e aos 14:30 solicitei o fim do exame, mas foi um erro, pois havia sido programado o total de 20 minutos, valor que eu sabia que eu não atingiria. O médico, após ter parado a esteira, me disse que ela reduziria a velocidade automaticamente após os 15 minutos, pois nos últimos 5 minutos são feitas as medidas em regime de recuperação. Fiquei morrendo de ódio, pois até uns 16 minutos com aquela velocidade e inclinação eu conseguiria chegar. Agora vou ter que esperar um ano para bater a máquina.

Volta da USP em São Carlos - 2010 com a Carolina, minha filha.
      Estabelecendo metas como essa espanto a preguiça e continuo bem condicionado fisicamente, e como diz um amigo meu, vou morrer cheio de saúde.