Li e ouvi muita coisa sensata e muita discussão inútil sobre o rompimento da barragem em Mariana e do massacre em Paris. Notei que a gente diz muita besteira justamente por achar que sabe muito, e eu continuo errando. Aprendi, ouvindo a CBN, com o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella a diferença entre tragédia e drama. Eu achei que conhecia os significados, e que, aliás, eram sinônimos, mas não são. Ao contrário dos dramas, as tragédias, como furacão e terremoto, não dependem da ação humana, assim os dois eventos recentes são dramas, pois o rompimento da barragem poderia ter sido evitado e os atentados foram premeditados.
Há um mês estávamos cheios das notícias do petrolão, da possibilidade de impeachment da Dilma e da possível cassação do Eduardo Cunha, veio então a tsunami provocada pelo rompimento da barragem e disseram que era obra da imprensa para desviar a atenção, depois dos atentados em Paris disseram que a imprensa mudou o foco porque a Vale, uma das controladoras da mineradora Samarco, é anunciante. É uma enorme idiotice.
Não gosto de muita coisa na cultura americana, mas gosto de outras tantas, entre elas a possibilidade de se manifestar. Lá um órgão da imprensa escolhe um lado e o defende e como sempre tem pessoas inteligentes em todos os lados, o debate é saudável. Eles são mestres na teoria da conspiração. Até hoje o Elvis não morreu, o Kennedy foi morto pela CIA, os atentados de 11 de setembro foram feitos pelo próprio governo que queria invadir o Iraque para ficar com o petróleo, e coisas assim. Em 2013 estive em Washington com um amigo que não defende os americanos como eu, e conversávamos exatamente sobre o 11 de setembro. Ele me contava sobre as leituras e documentários sobre a possibilidade dessa ação ter sido mesmo produzida pelo governo e eu discordava. Ao chegarmos ao hotel liguei a TV e havia um documentário exatamente sobre isso. Para cada alegação a favor eles reuniam cientistas dos dois lados e simulavam a ação seja com programas de computador, seja com atores, locações, maquetes, e ensaios físicos. Isso me agrada, a liberdade e a inteligência.
Não dá para consertar o que se perdeu a partir do desastre em Mariana, mas pode-se apurar as falhas, ressarcir algumas das despesas e punir quem tiver responsabilidade. Já sobre os atentados, a estória é outra. Pode-se matar uma meia dúzia de militantes, soltar umas bombas na Síria matando militantes e civis inocentes, mas não vai se atingir nenhum resultado efetivo. Os países mais abertos e democráticos não têm como se defender, serão sempre mais vulneráveis. Os radicais se utilizam das liberdades e ferramentas democráticas, que eles combatem, para se expandir e recrutar seguidores, apoio e dinheiro. Os países mais fechados se defendem melhor. Estive em Moscou, também em 2013, após o desembarque, antes de passar pela imigração, passei por um scanner e por um detector de metais manual, isso não é comum nos desembarques. Ao sair de Moscou o motorista de taxi me deixou no terminal da companhia aérea, o aeroporto era enorme, mas a porta era pequena, havia uma sala de uns 3x5m e ninguém à vista, voltei à rua mas não havia outra entrada. Retornei à tal sala e foi então que vi, que havia oficiais e um detector de metais, primeiro eu passei por essa barreira, depois entrei no saguão. Depois do checkin houve o procedimento de segurança de sempre. Lá, os hotéis são obrigados a informar à prefeitura a identidade e o período de estadia dos hóspedes. Quem recebe um hóspede em casa também tem essa obrigação. Os moradores locais, se forem se ausentar da cidade por mais de um mês, também devem comunicar às autoridades. Imaginem se isso funcionaria aqui!
O progresso impõe modificações ambientais, mas cada vez mais há ciência, assim não se pode condenar toda a atividade de mineração, há que se ter controle e compensação. Da mesma maneira não se pode radicalizar sobre as questões de etnias e religiões, pois bandidos há em todas as sociedades. Ainda que nos dois casos houve perdas significativas, é tosca a comparação entre um drama e o outro. Cada um tem a sua dor e a sua dimensão. Claro que as mortes provocadas pela inundação e o desastre ambiental são graves, mas são decorrentes de imperícia ou negligência, não foram planejados, ao contrário dos ataques a vidas na França. A solução que une os dois casos é o conhecimento.