domingo, 22 de novembro de 2015

Mariana e Paris, a solução que une os dois casos.

      Li e ouvi muita coisa sensata e muita discussão inútil sobre o rompimento da barragem em Mariana e do massacre em Paris. Notei que a gente diz muita besteira justamente por achar que sabe muito, e eu continuo errando. Aprendi, ouvindo a CBN, com o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella a diferença entre tragédia e drama. Eu achei que conhecia os significados, e que, aliás, eram sinônimos, mas não são. Ao contrário dos dramas, as tragédias, como furacão e terremoto, não dependem da ação humana, assim os dois eventos recentes são dramas, pois o rompimento da  barragem poderia ter sido evitado e os atentados foram premeditados.

      Há um mês estávamos cheios das notícias do petrolão, da possibilidade de impeachment da Dilma e da possível cassação do Eduardo Cunha, veio então a tsunami provocada pelo rompimento da barragem e disseram que era obra da imprensa para desviar a atenção, depois dos atentados em Paris disseram que a imprensa mudou o foco porque a Vale, uma das controladoras da mineradora Samarco, é anunciante. É uma enorme idiotice. 

      Não gosto de muita coisa na cultura americana, mas gosto de outras tantas, entre elas a possibilidade de se manifestar. Lá um órgão da imprensa escolhe um lado e o defende e como sempre tem pessoas inteligentes em todos os lados, o debate é saudável. Eles são mestres na teoria da conspiração. Até hoje o Elvis não morreu, o Kennedy foi morto pela CIA, os atentados de 11 de setembro foram feitos pelo próprio governo que queria invadir o Iraque para ficar com o petróleo, e coisas assim. Em 2013 estive em Washington com um amigo que não defende os americanos como eu, e conversávamos exatamente sobre o 11 de setembro. Ele me contava sobre as leituras e documentários sobre a possibilidade dessa ação ter sido mesmo produzida pelo governo e eu discordava. Ao chegarmos ao hotel liguei a TV e havia um documentário exatamente sobre isso. Para cada alegação a favor eles reuniam cientistas dos dois lados e simulavam a ação seja com programas de computador, seja com atores, locações, maquetes, e ensaios físicos. Isso me agrada, a liberdade e a inteligência.

      Não dá para consertar o que se perdeu a partir do desastre em Mariana, mas pode-se apurar as falhas, ressarcir algumas das despesas e punir quem tiver responsabilidade. Já sobre os atentados, a estória é outra. Pode-se matar uma meia dúzia de militantes, soltar umas bombas na Síria matando militantes e civis inocentes, mas não vai se atingir nenhum resultado efetivo. Os países mais abertos e democráticos não têm como se defender, serão sempre mais vulneráveis. Os radicais se utilizam das liberdades e ferramentas democráticas, que eles combatem, para se expandir e recrutar seguidores, apoio e dinheiro. Os países mais fechados se defendem melhor. Estive em Moscou, também em 2013, após o desembarque, antes de passar pela imigração, passei por um scanner e por um detector de metais manual, isso não é comum nos desembarques. Ao sair de Moscou o motorista de taxi me deixou no terminal da companhia aérea, o aeroporto era enorme, mas a porta era pequena, havia uma sala de uns 3x5m e ninguém à vista, voltei à rua mas não havia outra entrada. Retornei à tal sala e foi então que vi, que havia oficiais e um detector de metais, primeiro eu passei por essa barreira, depois entrei no saguão. Depois do checkin houve o procedimento de segurança de sempre. Lá, os hotéis são obrigados a informar à prefeitura a identidade e o período de estadia dos hóspedes. Quem recebe um hóspede em casa também tem essa obrigação. Os moradores locais, se forem se ausentar da cidade por mais de um mês, também devem comunicar às autoridades. Imaginem se isso funcionaria aqui!

      O progresso impõe modificações ambientais, mas cada vez mais há ciência, assim não se pode condenar toda a atividade de mineração, há que se ter controle e compensação. Da mesma maneira não se pode radicalizar sobre as questões de etnias e religiões, pois bandidos há em todas as sociedades. Ainda que nos dois casos houve perdas significativas, é tosca a comparação entre um drama e o outro. Cada um tem a sua dor e a sua dimensão. Claro que as mortes provocadas pela inundação e o desastre ambiental são graves, mas são decorrentes de imperícia ou negligência, não foram planejados, ao contrário dos ataques a vidas na França. A solução que une os dois casos é o conhecimento.

sábado, 7 de novembro de 2015

Ribeirão Preto - A escola.

      Sai do colégio técnico em 1976 direto para o trabalho, me afastei dos estudos e senti falta. Não que eu goste de estudar, gosto de aprender e se possível do jeito mais fácil. Em Ribeirão Preto comecei umas três vezes a estudar inglês e desisti antes de completar o segundo livro, pois também não sirvo para ficar fazendo simulaçõezinhas com grupo de alunos. Só voltei a estudar formalmente em 1987 mas interrompi após o primeiro ano do curso de Administração de Empresas porque me mudei em 1988. No entanto, mesmo no ambiente profissional tive duas experiências que valeram por um curso. A gente trabalhava muito, éramos muito responsáveis e produtivos, mas gostávamos de nos divertir e o ambiente era muito bom. Assim também nos lançávamos em outras searas.

      A empresa adianta o salário quando se tira férias, e quando retornávamos ao trabalho só tínhamos contas. Criamos um caixa com contribuição mensal durante um ano fazendo depósitos em uma caderneta de poupança. Após o período de carência passamos a fazer empréstimos a nós mesmos sob algumas regras que criamos e pagávamos parcelado com juros de poupança a nós mesmos. Como era um grupo de umas 8 pessoas e todas camaradas, o resultado foi muito bom. O sucesso pôs fim no negócio, tínhamos tanto dinheiro em caixa que não sabíamos mais o que fazer com ele. Compramos alguns trecos que queríamos para uso coletivo e ao final cada um ficou com a sua parte corrigida monetariamente e com juros. Fiquei com menos dinheiro mas guardo até hoje uma luneta que compramos para ver o Cometa Halley em 1986. Tentei repetir essa experiência mais tarde com outro grupo mas não deu certo, pois essa turma não estava tão unida. Ironicamente esse projeto tinha o carinhoso nome de Pró-Sufoco.

      Havia a turma do futebol que jogava, jogava, jogava e não ganhava nada. Participava das Olimpíadas do Trabalhador, organizada pelo Sesi e as equipes de futebol e futebol de salão eram desclassificadas e na classificação geral era um desastre, a empresa ficava nas últimas colocações. Veio então a ideia de se criar um grêmio primordialmente esportivo. Articulei com um companheiro de cada área e formamos uma comissão provisória com 10 representantes e organizamos um plebiscito no qual propusemos duas questões:
1 - Se os funcionários apoiariam a criação de um grêmio esportivo.
2 - Se eles aprovariam a Comissão Provisória para organizar as regras de uma eleição.
É claro que fomos aprovados em ambas as questões com taxa de sucesso maior que 90% e a saga começou.

      Imediatamente, ainda como comissão provisória e sem dinheiro tínhamos que participar da famigerada olimpíada. Nos desdobramos, participamos de muitas modalidades envolvendo a maioria dos funcionários. A participação deixou de ser apenas dos times de futebol, mas contávamos entre outras modalidades com atletismo, natação, vôlei, basquete, tênis de campo e mesa, xadres, enfim, o máximo que podíamos. Éramos de uma empresa pequena, com pouco mais de 100 funcionários e disputamos com empresas grandes, algumas10 vezes maior do que a nossa, e entre a média de 30 empresas começamos a figurar entre os 5 melhores classificados.

      Organizamos as eleições e a comissão provisória formou uma chapa. Participamos e ganhamos também com mais de 90% dos votos. Foi um ano difícil e de muito trabalho. Criamos um sistema de arrecadação mensal com 3 faixas de valores onde quem ganhava mais pagava mais, e também revendíamos umas camisetas e o caixa começou a aumentar. Com a ajuda de um advogado criamos um estatuto que não chegou a ser registrado, mas o processo foi uma experiência enriquecedora.

Eu jogando futebol de salão no SESC em um campeonato interno - 1985

      Tínhamos uma oposição ferrenha, shiita, hoje eu diria: petista, que era formada por aqueles 10% que perderam as eleições. Eles não nos davam sossego, e pasmem, eram nossos amigos! Tudo que fazíamos era motivo de críticas severas, daquelas de se desconstruir tudo, e houve uma falha grotesca da minha parte. Nosso diretor Financeiro cuidava do caixa e dos investimentos. Certa vez um diretor da empresa me perguntou sobre o grêmio e a conversa foi para o lado do dinheiro. Eu falei de quanto dispúnhamos e que estava aplicado no Banco Comind que melhor nos remunerava e cobrava uma menor taxa de administração. Ele me disse: tire o dinheiro de lá que o banco vai quebrar. Fiquei apavorado e por cerca de um mês cobrei isso diariamente do Diretor Financeiro mas sempre havia um contratempo da parte dele e não íamos até banco. No dia 19 de novembro de 1985 o banco sofreu uma intervenção federal e as contas foram congeladas. Eu que costumava chegar cedo ao trabalho naquele dia me atrasei. Fui com o Diretor Financeiro a outro banco e abrimos uma conta com o mesmo valor que estava aplicado. Entrei com 70% e ele com 30%. Para fazer esse depósito utilizei dinheiro emprestado do Pró-Sufoco. Quando cheguei na empresa havia um "batalhão de inquérito" e sustentei que o dinheiro estava a salvo no Itaú. Depois de muito tempo o dinheiro retido no Comind foi devolvido em 10 parcelas.

      Participamos de mais um campeonato e dessa vez melhor estruturado e graças a diversos talentos individuais ficamos em terceiro lugar na classificação geral, fomos campeões em várias modalidades e finalistas em outras tantas, isso foi um grande feito reconhecido pelo próprio Sesi e pelas outras companhias. Realizamos campeonatos internos e fomos campeões no torneio de verão do Sesc, foto abaixo. Mas não nos limitávamos aos esportes, participávamos de algumas campanhas e queríamos fazer diversos convênios que estavam sendo alinhados mas não foram concluídos pela falta do estatuto registrado. Editávamos um jornalzinho que era feito à base de tesoura, cola e xerox. Tínhamos a colaboração de um artista de renome nacional, o cartunista Pelicano, que é irmão do também cartunista Glauco. Pelos editoriais que eu escrevia, certa vez recebi um elogio do grande jornalista e escritor João Garcia, o que me deixou muito feliz. Sei que tenho um exemplar do jornal, quando eu o encontrar edito essa postagem.
Campeões do Torneio de Verão do SESC 1985

      Já decorria um ano e meio e seu estava cansado. A oposição não me dava trégua e decidi que perderíamos a próxima eleição. Como, pelas regras que criamos eu não podia mais me candidatar à presidência, montamos uma chapa apenas para participar. Dito e feito. Perdemos as eleições, a nova administração fez algumas festas, nas olimpíadas do Sesi o resultado voltou a ser pífio e em seis meses o grêmio estava morto. Há muitas outras estórias nesse enredo e os colegas contemporâneos que lerem esse artigo irão se lembrar.

      Valeu por um curso. Foi um aprendizado intenso de administração, de administração de projetos, de administração de pessoal, de desenvolvimento de talentos, de como conter a ansiedade, de não matar ninguém mesmo estando com vontade :), de política, enfim, não estudei mas aprendi muito, e do jeito que eu gosto. Aquele foi mais um tempo feliz da minha vida e em Ribeirão Preto.